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Sessão única | December 12, 2022  | 419 Lotes

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BALTAZAR GOMES FIGUEIRA (1604-1674) E JOSEFA DE ÓBIDOS (OU DE AYALA) (1630-1684) "Mês de Abril" (c. 1668) óleo sobre tela inscrição manuscrita "Pascoa de flores Abril/[...]/quando Alleluya amanhece/[...]; Obidos" reentelado, restauros assinado "Obidos" Dimensões (altura x comprimento x largura) - 111,5 x 176 cm Notas: etiqueta com a referência "4361 - Marqueses de Sabugosa" colada no verso.

Integrou as exposições:
"Exposição das pinturas de Josefa de Óbidos", Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa, 1949, nº 14;
"Pintura Portuguesa do séc. XVII. Histórias, lendas, narrativas", Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa, 2004, estando reproduzida no respectivo catálogo, pp. 124-125, nº 39;
"Josefa de Óbidos e a Invenção do Barroco Português", Museu Nacional de Arte Antiga, 2015, encontrando-se reproduzida no respectivo catálogo, p. 103, nº 29.

Embora não tenha integrado outras duas exposições, a presente obra também se encontra representada em:
1) Exposição “Josefa de Óbidos e o tempo Barroco”, realizada na Galeria de Pintura do Rei D. Luís, Palácio Nacional da Ajuda, em 1991. Lisboa: Instituto Português do Património Cultural/TLP, p. 156, onde o título “Mês de Agosto” se encontra mal atribuído, uma vez que as inscrições não tinham ainda sido descobertas, de acordo com o texto que acompanha a obra no catálogo da exposição "Pintura Portuguesa do séc. XVII. Histórias, lendas, narrativas", realizada no Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa, 2004, estando representada no respectivo catálogo, pp. 124-125, nº 39;
2) e no catálogo da exposição “Josepha na Ogiva”. Óbidos: Galeria Ogiva, 1972, s.p, s.n, sob o título “Doces e Flores”;
3) em CAETANO, Joaquim de Oliveira, "Reading the Fate of the Christ Child - New Masterpiece by Josefa de Ayala (1630-1684). Montevideo: Jaime Eguiguren Art & Antiques, pp. 54-55, fig. 16, onde se refere que na literatura da época, que serviu de inspiração à pintura "A leitura da sina do Menino Jesus" (1667), as figuras referem-se a Jesus como "Páscoa e flores" a mesma expressão que está na legenda.

É também identificável numa fotografia dos interiores do Palácio dos Condes e Marqueses de Sabugosa, arquivo de Imagens de Mário Novais, actualmente na Biblioteca de Arte da Fundação Calouste Gulbenkian e em http://acasasenhorial.org/acs/index.php/pt/fontes-documentais/fotografia/277-palacio-dos-condes-de-sabugosa, consultado a 9-11-2022 às 14:55.

"AS MUITAS INTERROGAÇÕES DAS PINTURAS DOS «MESES»
No centro da revisão da obra que estes autores, na sequência dos mencionados estudos de Vitor Serrão, atribuíram a Baltazar Gomes Figueira e a Josefa de Óbidos, e como ponto de contacto, quase de charneira, da produção de ambos no campo da natureza morta está a série (ou as séries), conhecida como «dos meses», seis pinturas a que os autores juntam, numa nova proposta, uma sétima, um quadro do Museu dos Uffizi, Florença, cuja inclusão no grupo, porém, não deixa de ser problemática.
As obras foram mostradas juntas uma única vez na exposição do Museu Nacional de Arte Antiga, em 1949 (nos. 11 a 16). Uma das versões do Mês de março (cat. 27) pertencia ao conde de São Martinho e outra a uma coleção particular não identificada (cat. 28). O possível Mês de agosto (identificado como Frutos e barros, cat. de 949, n.° 13) e o que se supõe ser o Mês de abril (designado como Doces e flores, cat. de 1949. n.° 14) (cat. 29) pertenciam aos condes de Sabugosa e Murça. Os outros dois quadros, um apresentado como Frutas e legumes (cat. de1949, nº15), que se refere provavelmente ao mês de julho (fig. 32), e o do Mês de maio (fig. 33) (cat. de 1949, n.° 16), pertenciam ao conde de Arnoso. As pinturas n.ºs 11, 15 e 16 do referido catálogo estão datadas de 1668 e apresentam a inscrição Obidos. Estas pinturas, e a pintura n.° 13, têm inscrita (total ou parcialmente visível) uma quadra o que, juntamente com a diversidade dos frutos, legumes e animais em primeiro plano, permitem relacioná-las com um dos meses do ano. Como o mês de março se encontra repetido, podemos supor que das oficinas de Óbidos saíram pelo menos duas séries alusivas ao calendário, cada uma, obviamente, com os doze meses, utilizando composições semelhantes.
As representações dos elementos, dos continentes, dos cinco sentidos foram usadas em séries que tratavam alegoricamente a diversidade do mundo, do tempo e dos sentidos, utilizando frequentemente e misturadas com figuras e/ou paisagens, naturezas-mortas, flores, frutos objetos, nos quais era fácil reconhecer uma relação simbólica com o tema tratado. Séries de gravuras de Adriaen Collaert e de Crispijn de Passe, ou de pinturas de Jan Brueghel, Bassano on Barrera, muitas delas abundantemente copiadas, tornavam o tema dos meses ou das estações facilmente reconhecível. Refira-se que o maior tratado sobre símbolos conhecido no século XVII, a Iconologia overo descrittione dell’imagini universali Cesare Ripa (Roma, 1593), trata copiosamente, quer a iconografia das estações, quer dos meses, dando exemplos de composições e referindo bases literárias e visuais célebres. Contudo, não deixa de permitir, ou mesmo de aconselhar, liberdade aos pintores para adequarem os frutos e legumes escolhidos aos locais onde vivem, de forma a tornarem as representações mais convincentes: «os frutos que ponho, como aqueles que disponho para os restantes meses, podem ser ao seu gosto variados pelo Pintor diligente, segundo a qualidade dos lugares» (ed. cit., vol. I, p. 73).
Ripa dá sentidos diversos e quase contraditórios a estas séries de meses e estações. Por um lado, apresenta-os quase como uma vanitas, como representação da inexorável passagem do tempo, citando a esse propósito Petrarca - Volano gl’anni, i mesi, i giorni e l’ hore («Voam os anos, os meses, os dias e as horas»); por outro, encontra na representação da natureza e dos seus frutos uma fonte de deleite e de acalmia das paixões da alma humana: «incitados os homens ao prazer pela formosa aparência das coisas e da beleza do mundo, gozam com alegria de tudo aquilo que a terra produz, esquecendo as suas tristezas e melancolias» (a propósito do mês de maio, idem, p. 83). A presença desta temática na obra de Ripa deve ter sido de grande importância para a divulgação destas séries, pois a Iconologia era o género de obra que interessava igualmente tanto a artistas e literatos como a nobres e abastados cultos que constituíam a sua clientela. Através do original, ou de vulgarizações, o sentido dos símbolos recolhidos por Ripa invadiu no século XVII todas as linguagens da cultura— das artes visuais ao teatro, da poesia à música — e boa parte das representações sociais, na decoração de edifícios públicos, nas armações para as festividades, na monumentalidade efémera das arquiteturas que pontuavam as celebrações políticas e religiosas, e a presença dos monarcas. A influência desta obra foi imensa, com mais de duas dezenas de edições nas décadas seguintes à sua publicação. A primeira, em língua castelhana (Siena: Herdeiros de Mateo Fiorini, 1613), não se esquecia de mencionar no subtítulo ser obra útil «para oradores, predicadores, poetas, pintores, escultores, desenhadores, e para todos os estudiosos em geral». Em quase todas as bibliotecas conhecidas de artistas espanhóis do tempo de Baltazar e Josefa encontram-se exemplares da Iconologia, e o seu estudo é expressamente aconselhado por tratadistas como Carducho ou Pacheco pelo que Baltazar Gomes Figueira, pelo menos, não pode deixar de ter conhecido a obra na sua aprendizagem sevilhana. Moura Sobral propôs igualmente um paralelo entre esta série de Óbidos e a obra do pintor madrileno Francisco Barrera, autor de uma série das «Estações», hoje no Museo de Bellas Artes de Sevilla, de que se expõe um exemplar (cat. 65), e de uma desaparecida série dos «Meses», de que restam três pinturas, uma em coleção particular espanhola, outra nas Galerias Slovenská Národní de Bratislava e a última na Galeria Strodoceska de Praga, considerando ser «impossível não ver nos Meses de Josefa de Óbidos um eco de Barrera» (ob. cit., p. 119). A ficha de catálogo (não assinada) da exposição dedicada a Josefa, realizada em Washington em 1997, pelo contrário, entende que a série portuguesa, apesar das séries afins espanholas, parece ser uma «invenção original». De diferentes maneiras precisas, em ambos os casos, a solução de representação «nacionaliza» o tema, dando-lhe um caráter profundamente local, o que talvez tenha sido o motivo pelo qual muitos autores se sentiram tentados em identificar o exato local das paisagens pintadas na série portuguesa. De qualquer forma, deve referir-se que, contemporânea da série de Óbidos, ainda resta a representação dos meses em figurações de azulejo, nos alegretes do jardim sobre a horta do Palácio dos Marqueses de Fronteira, em São Domingos de Benfica.
Quando Vitor Serrão começou a rever a obra de Josefa e a dar consistência à biografia do seu pai, estas pinturas, não só pela sua qualidade (dentro da diferenciação que o autor propõe, a que atrás fizemos referência), mas sobretudo pela dimensão que nelas adquire a paisagem, foram das primeiras a ser ligadas ao trabalho de Baltazar Gomes Figueira, tido como especialista nesta modalidade. Félix da Costa Meesen começa as sete linhas biográficas que dedicou a Josefa referindo-a como «filha do sevilhano que nos países foi celebrado», isto é, famoso pela suas paisagens, fama invulgar pois que o género é quase inexistente no que chegou até hoje da pintura portuguesa seiscentista, se excetuarmos algumas vistas de cidades, reais (Stoop ou Filipe Lobo) ou imaginadas (Diogo Pereira), ou alguns  fundos  de pintura religiosa. A série dos «Meses» aparece assim como a possibilidade mais direta para justificar a fama gozada por Baltazar Gomes Figueira. Na exposição de 1991 apenas figurou o Mês de março, considerado por Vitor Serrão como uma parceria entre Josefa de Ayala e Baltazar Gomes Figueira, mas as suas conclusões eram extensíveis a toda a série, avançando com a possibilidade de caberem ao pintor os fundos de paisagem e a sua filha as naturezas-mortas que ocupam os primeiros planos. Recorde-se, no entanto, que é precisamente no Mês de março (em ambas as versões conhecidas) que no primeiro piano da pintura, à direita, se repete a composição da parte inferior da natureza-morta assinada por Baltazar, hoje no Louvre. A melhor qualidade da tela parisiense («de muito superior qualidade plástica») em relação a esta representação, justificava também a repartição do trabalho tal como era proposto (Josefa de Óbidos e o Tempo Barroco, 1991, p. 157).
O mesmo entendimento foi expresso na já citada tese doutoral deste historiador, acentuando a ideia da diferença de qualidade entre os dois pintores, nomeadamente no que toca ao fundo de paisagem, deixando a Josefa uma colaboração secundária nos primeiros planos em que teria sido executante dos modelos do pai:

«a qualidade deste “país” [Mês de março], executado com particular desenvoltura, torna impossível que Josefa fosse a sua autora, ainda que pudesse ter intervindo na pintura das peças de primeiro plano, como o peixe e o caranguejo à direita, estes não pintados do natural, mas inspirados em obra paterna».

E concluía, aplicando a toda a série o mesmo pensamento:

«A mesma eventual colaboração entre pai e filha se pode fazer sentir nos restantes “Meses”, onde o seguro e dinâmico sentido plástico do paisagismo fundeiro remete para a intervenção decisiva do velho Baltazar, enquanto que as “naturezas mortas” de primeiro plano podem ser de Josefa de Ayala, repetindo aliás outros “motivos” e “receitas” por ela utilizados abundantemente noutros quadros».

Sob a designação de Josefa de Óbidos a obra figurou na já citada exposição de Washington de 1997, embora na entrada do catálogo, como vimos, se aceitasse a colaboração entre os dois pintores; foi sob esta dupla autoria que a mesma pintura (versão do Mês de março com a paisagem com lagoa ao fundo) integrou, em 2005, a mostra Rouge et Or, em Paris e foi apresentada em Roma, nesse mesmo ano, sob o título Rosso e Oro.
Diferente posição teve Luís de Moura Sobral na já referida exposição do MNAA, em 2004. Sem pôr em causa que a versão do Mês de março, apresentada nas exposições atrás indicadas, fosse da dupla Baltazar/Josefa, considerou todas as outras pinturas de meses, incluindo a diferente versão do Mês de março (cat. 27), (aquela em que a baía é menos visível e o bacalhau, à esquerda, não aparece inteiro, cat. 28), como sendo apenas de Josefa. Foi, aliás, esta a versão que esteve presente na mostra, onde se reuniu também a tela do Mês de abril e outra, identificada como Mês de agosto, mas que será certamente junho (cat. 30), dado o trabalho agrícola que lhe serve de fundo, uma ceifa, nunca poder ser realizado em agosto.
Mais do que uma análise crítica que relacionasse as pinturas expostas com a obra de Baltazar, Luís de Moura Sobral manteve a tradicional atribuição a Josefa por considerar que os quadros estavam «firmadas com a assinatura habitual de Josefa» (Pintura Portuguesa do Século XVII, 2004, p. 122), o que é muito difícil de defender, dado que a pintora tem quase duas dezenas de obras assinadas «Josepha d’Ayalla» ou «Josepha em Obidos›, mas nunca «Obidos» apenas, como aparece nestas pinturas, seguida da data de 1668. Nas assinaturas em documentos, a pintora assina invariavelmente como «Josepha de Ayala e Cabrera», utilizando os apelidos maternos, mas em caso algum assinou com o nome da sua terra como se fora uma alcunha. A palavra «Obidos» , marcando um local, acaso uma ideia de «oficina», apenas surge no universo de pinturas dado a Josefa ou a Baltazar, precisamente na série dos «Meses» e no Cesto de folares, atualmente da coleção Novo Banco (cat. 69), uma pintura que pode até ser um fragmento de uma composição maior. Não há, pois, nada na obra de Josefa que autorize pensar-se que assinava dessa forma e, muito menos, que essa era a sua firma «habitual».
A análise deste importante conjunto de obras não ficou mais esclarecida com as várias abordagens tecidas no catálogo da exposição que a Câmara Municipal de Óbidos dedicou a Baltazar Gomes Figueira em 2005. Logo na «sinopse biográfica-artística de Baltazar Gomes Figueira», síntese cronológica de presumível responsabilidade dos três comissários, refere-se a já mencionada citação de Félix da Costa Meesen, de 1696, com o elogio à pintura de países, entendendo-se porém que o enaltecimento dos «pertos delles» feito pelo memorialista, se reporta «aos primeiros planos com composições bodegonistas» (p. 24). Ora, este conjunto de naturezas-mortas em
primeiro plano era exatamente o que vinha nos textos de Vitor Serrão, desde 1991, a ser ligado à intervenção de Josefa de Ayala na série dos «Meses», ou, dito de outra forma, precisamente a parte destas pinturas que o autor considerava não serem de Baltazar Gomes Figueira. Esta posição é tanto mais estranha quanto, na mesma cronologia, na entrada referente a 1668, se continua a defender que nessa data Josefa concluiu a grande série de telas que seu pai iniciara, reutilizando o que seriam «belas vedute anteriormente pintadas, o que pode pressupor que se tratava em telas conservadas no atelier e que o interesse da clientela levou então a remodelar quanto aos bodegones envolventes e às cartelas da zona inferior» (p. 21).
Noutra parte do catálogo percebe-se melhor a razão esteve na base de tal teoria. A vontade de incluir na série dos meses portugueses a natureza-morta com paisagem de Florença, de que já falámos, levou à ideia de que os Meses teriam sido pintados originalmente entre 1645 e 1649. A primeira data corresponde à que aparece no bodegón do Louvre, firmado por Baltazar, e do qual se replica uma parte nas duas versões do Mês de março. A última reporta-se à presença do citado quadro florentino num inventário italiano (Villa della Petraia). Para encaixar estes dois factos, e a data que ostentam alguns dos Meses de 1668, o autor do artigo propõe a seguinte versão:

Depois da execução do retábulo da Igreja do Colégio de Nossa Senhora da Graça em Coimbra [datado de 1644], Baltasar regressa a Óbidos onde pinta naturezas-mortas, a do Louvre e certamente outras, e quando toma em mãos a produção dos Meses copia parte delas, reintegrando-as noutro contexto, numa prática comum no século XVII [...]. Algumas delas foram rapidamente vendidas, como foi o caso do mês de setembro que o pintor contava eventualmente repor, outras foram completadas como março ou abril, e outras ficaram inacabadas, porventura devido aos seus afazeres em Lisboa, tendo Josefa em 1668 acrescentado elementos ausentes ou sumariamente apontados, o que levou a pensar numa empreitada de mútua colaboração. Entretanto os quadros quedaram-se 20 anos no atelier e serviram como fonte iconográfica a Josefa na grande maioria das suas obras.

Creio que não vale a pena sublinhar o caráter ficcional e rebuscado da proposta, mas não podemos deixar de sublinhar dois aspetos. O primeiro é que o enredo parte da certeza de que o quadro dos Uffizi é de Baltazar, quando o modelo de paisagem com natureza-morta em primeiro plano, sendo raro em Portugal, está profundamente enraizado na natureza-morta italiana. Nem o museu, nem nenhum dos autores que se referiu à pintura, com a exceção do catálogo de Óbidos, pôs em dúvida a sua natureza italiana e, finalmente, ao contrário do que é dito naquele catálogo, as dimensões deste quadro não se «ajustam» (p. 74) às dimensões das pinturas portuguesas. Antes tem mais 20 cm de lado e mais 40 cm de alto, isto é, um terço de pintura a mais do que a maior das telas portuguesas da série dos «Meses». Por outro lado, a ideia de que um pintor seiscentista preparava, sem ter encomenda certa e contratualizada, uma série de doze pinturas (o ciclo do ano) de quase 2 m de largura, com o que isso representava de esforço em tempo e dinheiro, parece-me francamente inverosímil. O desenvolvimento da temática das naturezas-mortas liga-se intimamente a um mercado livre de pinturas, não sujeitas à encomenda, que muitas vezes era feito precisamente nos intervalos ou tempos mortos das maiores empreitadas, mas a realização e venda de pequenas telas disponíveis nas tendas oficinais, nada têm a ver com a ideia dos pintores realizarem empreitadas enormes, como doze quadros desta dimensão, sem terem assegurado a sua venda, dispondo para isso de recursos temporais e económicos que dificilmente estavam ao seu alcance. Mas, sobretudo, não há, objetivamente, dado algum que leve a duvidar da veracidade da data de 1668, que quatro destas pinturas ostentam de forma bem visível. Nessa data, ambos os pintores estavam vivos e muitos documentos mostram que, apesar da emancipação de Josefa e desta morar separadamente, o seu relacionamento era próximo. Nada obsta, portanto, se se vier a provar, que tivesse havido uma colaboração entre os dois artistas, nesta e noutras obras, nomeadamente na execução de naturezas-mortas, na maioria dos casos segundo modelos de Baltazar, em composições que radicam em modelos sevilhanos. Muitas das composições têm uma simetria e uma clareza, para além da apresentação formal «à janela», que não apenas provém dos modelos andaluzes, como de modelos radicados em Cotán ou Zurbarán, isto é, em tipologias do primeiro quartel do século, quando Baltazar as apreendeu. É este modelo que replicará até ao fim, em obras de grande qualidade como o bodegón do Louvre, ou os dois que se mostram neste núcleo, de coleção particular, notáveis pela sua sobriedade e presença (cats. 31 e 32)".
CAETANO, Joaquim Oliveira -"As Muitas Interrogações das Pinturas «Meses»", in “Josefa de Óbidos e a Invenção do Barroco Português”. Lisboa:  Museu Nacional de Arte Antiga, Imprensa Nacional Casa da Moeda, pp. 93-98.

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