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1ª Sessão | March 9, 2020  | 257 Lotes

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Milagre de Ourique - Aparecimento de Cristo crucificado a D. Afonso Henriques placa em alabastro parcialmente pintado e dourado moldura em pau-santo com aplicações em latão relevado Portuguesa séc. XVIII Dimensões (altura x comprimento x largura) - (placa) 17 x 17,5; (total) 41 x 36,5 cm Notas: “Naõ eraõ de qualidade as cousas que trazia entre mãos o esforçado Princepe Dom Afonso Henriquez, q lhe consentissem tomar muyto repouso, nem os pensamentos occupados na grãdeza do negocio presente davaõ lugar a se poder quietar, & tomar alivio. E assim para divertir de algum modo aquella moléstia, lançou maõ de huã Biblia Sagrada, a qual tinha em sua tenda, & começando a ler por ella, a primeyra cousa q encontrou foy a vitoria de Gedeaõ, insigne Capitaõ do Povo Judaico, o qual com trezentos soldados rompeo os quatro Reys Madianitas, & seus exércitos, passando à espada cento & vinte mil homens, sem outros muytos que morrèraõ no alcance. Alegre o Infante com taõ bom encontro, & tomado desta vitoria pronostico feliz da que esperava, se confirmou mays na resolução de dar batalha, & com o coraçaõ inflamado, & olhos postos em o Ceo rompeo nestas palavras.
Bem sabeis vós meu Senhor IESU Christo, que per vosso serviço, & pela exaltação de vosso santo nome emprendi ei esta guerra contra vossos inimigos; vós que sois todo poderoso me ajuday nella, animay, & day esforços a meus soldados, para que os vençamos, poys saõ blasfemadores de vossos sãtissimo nome.
Ditas estas palavras lhe sobreveyo hum brando sono, & começou a sonhar que via hum Velho de venerável presença, o qual lhe dizia tivesse bom, porque sem duvida venceria aquelle batalha, & com evidête sinal de ser amado, & favorecido de Deos veria com seus olhos ante de entrar nella o Salvador do Mundo, o qual o queria honrar com sua soberana vista. Estando o Infante neste alegre sonho, nem bem dormindo, nem de todo acordado, entrou na têda Joaõ Fernadez de Sousa de sua Camara, & lhe fez saber como a ella chegàra hum homem velho, o qual pedia audiência, & segundo dava a entender era nobre negocio de muyta importância. Mandou o Infante que entrasse sendo Christaõ, & tanto que o vio, reconheceo ser o mesmo que acabava de ver em sonhos, com que ficou sumamente consolado. O bom Velho repetio ao Infãte as mesmas palavras que em o sonho tinha ouvido, & certificando-o da vitoria, & aparecimento de Christo, acrecêtou que tivesse muyta confiança em o Senhor por ser delle amado, & q nelle, & em seus decendentes tinha postos os olhos de sua misericordia até a decima sexta geração, em que se atenuaria a decendencia, mas nella ainda nesse estado poria o Senhor os olhos, & a veria. Que da parte do mesmo Senhor o avisava, que quando na seguinte noyte ouvisse tocar o sino de sua Ermida, na qual morava avia sessenta anos, guardado com particular favor do Altissimo, saísse fòra ao campo, porq lhe queria Deos mostrar a grandeza de sua misericordia.
Ouvindo o Catholico Princepe taõ soberana embayxada, tratou o Embayxador della com veneraçaõ & deo a Deos com profunfissima humildade infinitas graças. S. iose fóra da tenda o bom Velho, & tornou fóra à sua Ermida, & o Infante esperando pelo final prometido, gastou em oraçaõ afervorada todo o espaço da noyte atè a segunda vigia, na qual ouvio o som da campainha. Armado entaõ com seu escudo, & espada sahio fòra dos Arrayais, & pondo os olhos no Ceo vio da parte Oriental hum resplandor Fermosissimo, o qual pouco, & pouco se hia dilatando, & fazendo mayor. No meyo delle vio o salutífero sinal da Santa Cruz, & nella encravado o Redemptor do Mundo, acompanhado em circuito de grande multidaõ de Anjos, os quays em figura de mancebos fermosissimos apareciaõ ornados de vestiduras brancas, & resplandecentes, & póde notar o Infante ser a Cruz de grandeza extraordinaria, & estar levantada da terra quasi dez côvados.
Com o espanto de visaõ taõ maravilhosa, como o temor, & reverencia devidos à presença do Salvador, poz o Infante as armas que levava, tirou a Vestidura Real, & descalço se prostou em terra, & com abundancia de lagrimas começou a rogar ao Senhor por seus Vassalos, & disse:
Que merecimêtos achastes meu Deos em hum taõ grande peccador como eu, para me enriquecer com mercè taõ soberana? Se o fazeis per me acrescentar a fé, parece naõ ser necessário, poys vos conheço desde a fonte do Bautismo por Deos verdadeyro, filho da Virgem Sagrada segundo à humanidade, & do Padre Eterno por geraçaõ divina. Melhor seria participar ê os infieis da grandeza desta maravilha, para que abominando seus erros vos conhecessem.
O Senhor entaõ com suave tom de voz q o Princepe pode bem alcançar, lhe disse estas palavras:
Naõ te apareci deste modo, para acrescentar tua fé, mas para fortalecer teu coraçaõ nesta empresa, & fundar os princípios de teu Reyno em pedra firmíssima. Tem confiança per que naõ sò venceràs esta batalha, mas as todas as mays que deres aos inimigos da Fè Catholica. Tua gête acharàs prompta para a guérra, & com grande animo, pedirteha, que com titulo de Rey comeces esta batalha; naõ duvides de o aceitar, mas concede livremente a petição, porque eu sou o fundador, & destruidor dos Imperios do mundo, & em ti, & tua geraçaõ quero fundar para mim hum Reyno, por cuja industria será meu nome notificado a gentes estranhas. E porque teus decendêtes conheção de cuja mão recebem o Reyno, compor às tuas armas do preço com que comprey o genero  humano, & daquelle porque fuy comprado dos Iudeos, & ficará este Reyno santificado, amado de mi pela pureza da Fé, & excellencia da piedade.
O Infante e Dom Afonso quando ouviu taõ singular promessa, se postrou de novo por terra, & adorando ao Senhor lhe disse:
Em que merecimentos fundais meu Deos hua piedade taõ extraordinaria como usais comigo? Mas jà que assim he, ponde os olhos de vossa misericordia em os sucessores que me prometeis, conservay livre de perigos a gente Portugueza, & se contra ella tendes algum castigo ordenado, peçovos o deis antes a mi, & a meus decendentes, & fique salvo este povo a quem amo como unico filho.
A tudo deo o Senhor resposta favoravel, dizendo como nunca delle, nem dos Seus apartaria os olhos de sua misericordia, porque os tinha escolhidos por seus obreyros, & segadores, para lhe ajuntarem grande seara em regioens apartadas. Com isto desapareceo a visaõ, & jubilos da alma quays se deyxaõ entender, fez volta para os Arrayais, & se recolheo em sua tenda.”

Cf. BRANDÃO, António - “Monarchia Lusitana, Terceira Parte que contém a história de Portugal desdo Conde Dom Henrique, até todo o reinado del Rey Dom Afonso Henriques”. Lisboa: Pedro Craesbeck, 1632, Livro Décimo, Capítulo II, pp. 119-120.

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