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1ª Sessão | September 21, 2015  | 380 Lotes

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Carta Régia de D. Henrique, Cardeal-Rei (1512-1580) sobre o resgate dos cativos da Batalha de Alcácer-Quibir Documento do século XVI (1578).- 1 f. (1 bifólio); ±305x215 mm. Carta missiva de D. Henrique (rei de Portugal, 1578-1580) dirigida a D. Rodrigo de Meneses, do Conselho Régio, informando-o da chegada de uma carta dos representantes dos fidalgos cativos em Fez. Pede-lhe que dê conta do resultado das diligências de que foi incumbido pelo rei quanto ao resgate destes fidalgos e que lhes transmita a boa recepção da sua carta. Escrita cursiva híbrida, de base humanista, com elementos da gótica cursiva. Terço superior do bifólio com forte mancha, permitindo, contudo a leitura integral (papel de baixa gramagem e espessura fina). Assinatura autógrafa: Rey. Conserva o selo de chapa com as armas de Portugal. Documento datado de Lisboa, 7 de Novembro de 1578. <nnn> = texto riscado Dom Rodrigo de meneses Amigo, Eu El Rej vos enujo muito Saudar. Per Via de Tengere Reçebj hũa Carta dos fidalgos que Estão Catiuos em fez, feita a xviij de Setembro, (asinada por aqueles que forão Ellectos pera em nome E por parte de todos tratarem seus negoçios) em que me dão conta do estado em que até então Estauão, que não Era inda de conclusão, (nem conuinha tomar-se sem ordem minha.) E Juntamente me derão outra Carta de dom Duarte de meneses, E outra de dom fernando de Castro, sobre a mesma materja, Cuja sustançia de todas tres, Era pedirem-me Me lembrasse daqueles fidalgos catiuos, ao que não tenho que Responder emquoanto me não chega Recado E auiso Vosso do que conforme a Vossa instrução tendes feito nesta materja, que tam particularmente Vos tenho encomendado, Pelo quoal Recado Ja agora cada dia Espero. Encomendo-uos muito que pela primeira pessoa de Recado e segura que for pera fez, ou por via dos padres da trindade, (que será inda milhor) auiseis estes fidalgos <Electos> de como Reçebj suas Cartas, E que não Respondo a Ellas, assy por Esperar Ja agora cada dia pelo Vosso auiso (como açima digo) E por outras cartas Suas mays Largas E declaradas; como tambem pelo inconueniente que seria ver-se em fez Carta // Minha. E que lhes encomendo mujto que proçedão neste negoçio de seus Resgates conforme ao que eu deles confio E espero, pera que não aJa cousa que impida effectuarem-se como conuem a Elles E a tudo, de que tenho aquela mesma Lembrança que Elles podem deseJar,. E se o padre frej Roque for o que ouuer de falar com Eles, dar-lh'eis esta Carta, pera lha mostrar, se a Vos E a Elle <vos> pareçer que se pode fazer, sem nisso auer risco, porque desejo muito de animar E consolar estes fidalgos, E todos os outros que Estão Catiuos, Scripta em Lixboa a vij de nouembro de MDLxxviij. (ass.) Rey Transcrição de Susana Tavares Pedro Notas: A 4 de Agosto de 1578 travou-se, contra um grande exército marroquino liderado pelo Sultão de Marrocos Mulay Mohammed (Abu Abdallah Mohammed Saadi II, da dinastia Saadi) com apoio otomano, a batalha de Alcácer-Quibir (Al Quasr al-kibr). Foi um dos acontecimentos mais marcantes da História de Portugal, quer pelo conjunto de circunstâncias que culminou na expedição a Marrocos, quer pelas consequências políticas que acarretou para o Reino. Nela desapareceram um jovem rei de 24 anos de idade, solteiro, sem descendência nem herdeiro designado em caso de fatalidade, como veio a acontecer, bem como, para além dos milhares de soldados anónimos, um elevado número de membros da fidalguia e da mais alta nobreza portuguesas que integrou a expedição militar ao Norte de África.
Muito se escreveu, com as mais diversas interpretações e apreciações, sobre os projectos africanos de D. Sebastião. Não nos cabe avaliar ou “tomar partido” na inesgotável questão acerca dos desígnios do rei e sobre a sua figura, antes e depois de morto; mas não podemos pretender que D. Sebastião estivesse só na visão e no impulso que o conduziriam ao derradeiro momento de Alcácer-Quibir, em Agosto de 1578. Na verdade, como foi notado em recente biografia do monarca, o problema deve ser analisado deixando de o acantonar na sempre invocada obsessão ou “monomania” (Felix Llanos y Torriglia, Contribución al Estudio de la Reina de Portugal, Hermana de Carlos V, Doña Catalina de Austria, 1923, p. 68) de D. Sebastião pela cruzada e pela conquista em Marrocos - que não deixou em todo o caso, sobretudo a partir de dada altura, de existir - para ser visto, nos seus fundamentos, também como um projecto “partilhado e defendido por outras figuras políticas do país [que] visava, de facto, a salvaguarda de uma zona atlântica, frente ao estreito de Gibraltar, crucial não só para a defesa das praças portuguesas no Norte de África, das populações do litoral português, em especial as do Algarve e das ilhas atlânticas, mas também para a segurança dos diferentes interesses marítimos e continentais do império português” (Maria Augusta Lima Cruz, D. Sebastião, 2006, pp. 211-212).
O projecto do monarca português amadureceu e foi tomando forma num quadro de crescente tensão entre grupos e cliques, apoiando uns a pretensão do rei, outros mostrando reservas ou a ela se opondo frontalmente. De entre estes destacamos D. Catarina de Áustria, sua avó, e o Cardeal D. Henrique, seu tio. Ambos, de formas, e com recurso a estratégias e argumentos diferentes, procuraram dissuadir D. Sebastião da jornada, num processo em que, pela mão de D. Catarina, Filipe II entrou, de modo directo, mas sempre ambíguo, na cena política portuguesa, de que o famoso encontro no Mosteiro de Guadalupe entre ambos os monarcas ibéricos, no final do ano de 1576, foi a expressão maior.
Mas a jornada fez-se, redundando no desastre militar, político e colectivo que conhecemos: o desbaratamento do exército português, o desaparecimento do rei, a mortandade (entre 8 000 e 9 000 mortos), o caos e o tumulto, os quase 10 000 portugueses que permaneceram cativos em solo africano.  No quadro de uma intensa comoção e ansiedade colectivas perante a catástrofe, a entronização de um novo rei, confirmada a morte de D. Sebastião, era o acto político mais premente: assim, quebrados os escudos pela morte de D. Sebastião a 27 de Agosto de 1578, no dia seguinte o Cardeal-infante D. Henrique foi aclamado rei de Portugal na igreja do Hospital Real de Todos-os-Santos. Duas questões emergiam como fundamentais à actuação do velho cardeal-rei – a resolução do problema sucessório e o resgate dos milhares de cativos. Quanto ao primeiro, D. Henrique, de acordo com os seus conselheiros, solicitou, ainda em 1578, através do seu embaixador em Roma, a dispensa de ordens sacras ao Papa Gregório XIII para poder contrair matrimónio, projecto que não teve sequência, dadas a sua saúde e idade avançada, mas também as manobras da poderosa máquina diplomática de Filipe II junto da Santa Sé (Amélia Polónia, D. Henrique. O Cardeal-Rei, 2005, pp. 204-213). Em Janeiro de 1579, o monarca convocaria Cortes em Lisboa, que tiveram a sua abertura solene a 1 de Abril nos paços da Ribeira, para analisar e resolver a espinhosa e complexa questão sucessória. O resgate dos cativos em África foi o segundo grande problema do seu curto reinado. Longa é a lista dos titulares, nobres e fidalgos que perderam a vida em Alcácer-Quibir, bem como dos que aí ficaram cativos, que urgia resgatar a troco de longas negociações e largas somas. (V., entre outras fontes, a relação dos mortos e cativos de condição nobre em Diogo Barbosa Machado, Memorias para a Historia de Portugal, que comprehendem o governo d'el-rei D. Sebastião, unico do nome, T. IV, 1751, liv. II, cap. 17 e 184. V. ainda J. M. de Queiroz Velloso, D. Sebastião, 1935;  http://www.geni.com/projects/Mortos-na-Batalha-de-Alc%C3%A1cer-Quibir/12635). Num primeiro momento, D. Henrique pretendeu custear integralmente o resgate dos cativos, intenção que, a breve trecho, se revelou financeiramente impossível. A carta régia de D. Henrique a D. Rodrigo de Meneses, feita em Lisboa, a  7 de Novembro de 1578, é uma peça importante no contexto desta dramática questão, com a a particularidade de dizer respeito a um bem identificado grupo de cativos em Marrocos: tratava-se dos cerca de oitenta cativos nobres, grupo restrito e seleccionado por Mulei Ahmed, cuja entrega o xerife ordenou, sob pena de prisão, logo no dia imediato à batalha e conduziu à corte de Fez, na expectativa de obter altas somas pelo seu resgate. Entre eles encontravam-se D. Duarte de Meneses, acima referido, ou o jovem duque de Barcelos, D. Teodósio, de apenas 10 anos de idade, filho primogénito e sucessor do duque de Bragança (Polónia, op. cit., p. 195). Nesta carta, D. Henrique invoca uma missiva de 18 de Setembro de 1578 que recebera dos representantes eleitos destes fidalgos, bem como duas outras cartas individuais de cativos deste grupo, entregues na mesma ocasião: uma de D. Duarte de Meneses (1537-1588), prestigiado militar e governador de Tânger desde 1574, outra de D. Fernando de Castro, sobre a mesma matéria. De forma diplomática mas clara, o cardeal-rei urgia o seu conselheiro D. Rodrigo de Meneses a entregar-lhe a “instrução”/”auiso” que havia tempo lhe encomendara sobre o resgate dos prisioneiros, mas que ainda não recebera. Pedia ainda que, por mensageiro seguro que viajasse para Fez, os fidalgos fossem avisados da recepção das suas cartas,  “E que não Respondo a Ellas, assy por Esperar Ja agora cada dia pelo Vosso auiso (como açima digo) E por outras cartas Suas [dos fidalgos cativos] mays Largas E declaradas”. Instruía ainda D. Rodrigo de Meneses para que, não havendo risco ou inconveniente, esta carta régia lhes fosse mostrada por Fr. Roque do Espírito Santo, religioso da Santíssima Trindade, sendo ele o enviado a Fez, como prova do seu muito desejo “de animar E consolar estes fidalgos, E todos os outros que Estão Catiuos”, encomendando-lhes “mujto que proçedão neste negoçio de seus Resgates conforme ao que eu deles confio E espero”. Em 1579, em simultâneo com o gravíssimo problema sucessório, várias embaixadas foram enviadas a Marrocos para fazer avançar o complexo processo do resgate de cativos. Dada a variedade de situações, de condição social e de disponibilidade financeira das famílias de muitos dos prisioneiros, o desenlace foi diferente: do resgate individual, à ocultação da condição social para fazer baixar a quantia do resgate – como sucedeu com D. António, filho do infante D. Luís  -, aos muitos anos de cativeiro antes da libertação ou, até, à permanência definitiva em Marrocos quer como escravos quer diluindo-se na sociedade local. Ao grupo de Fez foi imposto um resgate colectivo de 400 000 cruzados mas, não tendo sido possível angariar a totalidade, entre o contributo da Coroa e das famílias, o governador do Algarve, D. Francisco da Costa, enviado por D. Henrique a Marrocos, ficou voluntariamente refém em Fez, onde veio a morrer, caucionando assim, com o seu próprio sacrifício, o regresso dos nobres cativos de Fez ao Reino, onde chegaram já em 1580 (Polónia, op. cit., pp. 195-198).

Ana Isabel Buescu
FCSH, Universidade Nova de Lisboa

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