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BENTO COELHO DA SILVEIRA - c. 1620-1708 Jesus entre os Doutores óleo sobre tela reentelado, restauros não assinado Dimensões (altura x comprimento x largura) - 52,5 x 82 cm Notas: A pequena tela que representa O Menino entre os Doutores, considerada da primeira fase do pintor Bento Coelho da Silveira (c. 1630-1708), tem não só um evidente interesse artístico, pela qualidade de desenho de parte das figuras e como testemunho da pintura proto-barroca portuguesa, mas também pelo facto de vir colocar novas questão na definição de um ‘problema de arte’ que se tem mantido indefinido nos meios da crítica: o aprendizado de Bento Coelho com José do Avelar Rebelo (c. 1590-1657). Trata-se de uma pintura já de atmosfera tenebrista, produzida com grande probabilidade no sexto decénio do século XVII, e cujo historial se desconhece por inteiro. Ignoramos quem foi o seu encomendante, e a que capela ou oratório se destinava. É possível que se tratasse de um espaço jesuítico, sabendo-se da preferência dos padres da Companhia de Jesus por um tema como este, em que o menino Jesus, que a Virgem e São José procuraram durante três dias, por o considerem perdido, lhes dirige a palavra nestes termos: «Porque me procuráveis? Não sabeis que tenho de estar em casa de meu Pai?». Na tela, os pais de Jesus vêem-se em plano recuado, em pose discreta, à esquerda, sem interromperem a disputa com os Doutores a que assistem. Certo é que a composição desta tela se mostra conhecedora de modelos da gravura nórdica, no caso a de Jerónimo Wierix que representa o mesmo assunto do Evangelho de São Lucas (2, 41-45) e se destinou a ilustrar o célebre livro do padre jesuíta Jerónimo Nadal Evangelicae Historiae Imagines, saído em Antuérpia em 1593 (e logo reeditado em 1595 e 1607). Apesar das variações formais, designadamente no trono e na pose do Menino Jesus, torna-se evidente o conhecimento que o artista teve das estampas do referido livro, muito difundido em toda a cristandade, dentro e fora da Europa católica. Na sacristia do Colégio jesuítico de São João Evangelista, no Funchal, encontra-se uma série de telas compradas em Lisboa, cerca de 1655, com vários passos da iconografia mariana e da infância de Jesus, obras muito interessantes, estudadas pelas historiadoras de arte madeirenses Rita Rodrigues e Isabel Santa Clara, que as consideraram como saídas da oficina de José do Avelar Rebelo, o famoso pintor régio de D. João IV. Ora acontece que a tela de O Menino entre os Doutores dessa série se mostra exactamente similar em composição à tela aqui apresentada! Salvo ligeiras variações grupais, na cortina que se divisa acima do trono (que no quadro madeirense é vermelha, de tons vibrantes) e na disposição dos cartapácios no solo, é evidente que quem pintou este quadro conhecia bem o do Funchal. E o conhecimento estende-se, ainda, a uma grande tela de data anterior, o painel do altar da Capela do Menino Perdido na igreja jesuítica de São Roque, uma das peças que mais celebrizou Avelar na encomiástica literatura do tempo. Embora de execução muito mais solta e cromaticamente mais rica, essa grandiosa tela da igreja de São Roque (com ressaibos italianizantes na larga cenografia envolvente) não deixa de oferecer sugestões formais, no grupo de doutores à esquerda, para as duas pinturas gémeas, a do Funchal e a que aqui se expõe. Na vastíssima obra do fa presto Bento Coelho da Silveira, que foi pintor das cortes régias de D. Afonso VI e de D. Pedro II, e que mereceu ao historiador de arte Luís de Moura Sobral a elaboração de uma incontornável exposição com catálogo (IPPAR, 1998), sempre se colocou o problema da formação e fase inicial do artista. Se Bento Coelho, «pintor de quase infinda longevidade», activo com os seus discípulos e epígonos à frente de uma oficina lisboeta onde trabalha ininterruptamente de cerca de 1665 a 1708, data da morte, a verdade é que na sua fase inicial ainda não pintava com a largueza e repetitividade de receitas que depois o irão caracterizar, quase esgotando a criatividade em três centenas de peças que chegaram aos nossos dias. Essa maneira solta de pintar ainda não existe nos anos de aprendizado, como se pode ver no cobre de 1656 (assinado e datado), a Lamentação sobre o corpo de Cristo da antiga colecção Viscondessa de Sacavém (p. 192 do catálogo citado), delicadíssimo de modelação de figuras, atmosferas e poses. E, também, em duas telas do Museu de São Roque (Anunciação e Adoração dos Magos), de data próxima, peças de firme desenho, e cuja atribuição autoral chegou a oscilar, significativamente, entre Avelar e Bento, sem se saber ainda ao certo se não será possível colaboração de ambos, como no Funchal… O painel agora apresentado ajuda a explicar a fase inicial do futuro pintor régio de D. Pedro II e vem clarificar melhor o problema da sua formação artística, que ocorreu na oficina de Avelar Rebelo, alfobre de receitas plásticas, soluções formais e fontes iconográficas de que o futuro fa presto muito se iria servir, até à exaustão, no meio século seguinte. Vítor SerrãoHistoriador de ArteProf. Catedrático Emérito da FLULA Cabral Moncada Leilões regista e agradece a disponibilidade do Professor Doutor Vítor Serrão na identificação do Autor e pelo enquadramento histórico e artístico da obra em causa.