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Sessão única | September 27, 2021  | 312 Lotes

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CÍRCULO DE ANDRÉ GONÇALVES - 1685-1762 Cristo entregando as chaves a São Pedro óleo sobre tela escola Portuguesa séc. XVIII (3º quartel) reentelado, alguns restauros Dimensões (altura x comprimento x largura) - 211 x 264 cm Notas: 1. Segundo desenho original de Rafael (1483-1520) para uma tapeçaria de Pieter van Aelst (c.1495-c.1560).
A tapeçaria encontra-se no Museu do Vaticano e o desenho colorido no Museu Victoria & Albert, Londres.
2. Embora o estudo que reproduzimos permita considerar a hipótese de a presente pintura ser da autoria de Manuel José
Gonçalves, só novos e mais conclusivos elementos poderão afirmar essa atribuição, razão por que se optou pela atribuição da sua
autoria ao «círculo de André Gonçalves».
3. A Cabral Moncada Leilões regista e agradece o contributo do Prof. Doutor Nuno Saldanha para a identificação da pintura e à
Mestre Susana Isidro pela investigação e elaboração do estudo.

Pintura atribuível ao círculo de André Gonçalves (1685-1762), possivelmente a um dos seus discípulos, não podemos deixar de colocar a hipótese de ter sido executada pelo pintor Manuel José Gonçalves (1716-1754), filho e discípulo de André Gonçalves (1685-1762), para a capela de São Pedro e São Paulo da igreja do extinto Colégio e Noviciado Jesuíta da Cotovia (1619-1759), pouco depois transformado em Real Colégio dos Nobres (1761-1837) e, posteriormente, em Escola Politécnica de Lisboa (1837-1911) e em Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (1911-1985) – actual Museu Nacional de História Natural e da Ciência, no qual está integrado o Jardim Botânico de Lisboa.

Pelas suas diversas características, trata-se de uma obra muito semelhante a muitas das pinturas conhecidas do pintor régio André Gonçalves, como, por exemplo, as existentes na igreja do convento da Madre de Deus, na igreja de São Roque, na igreja do convento de Nossa Senhora dos Cardais ou na igreja do Menino de Deus, todas em Lisboa.

No entanto, em toda a vasta obra que se conhece de André Gonçalves não se encontra registada nenhuma obra que represente a temática de "Cristo entregando as chaves a São Pedro".

É Cyrillo Volkmar Machado (1748-1823) – pintor, escultor e arquitecto português, considerado o primeiro historiador da arte portuguesa – quem primeiro nos informa que a obra não foi executada pelo pai, mas sim pelo filho: "Manuel José Gonçalves fez o painel, que está no Collegio dos Nobres, do Senhor dando as chaves a S. Pedro, feito pela estampa de Rafael, e muito bem colorido, e executado".

Mais tarde, Luís Gonzaga Pereira, referindo-se ao Noviciado da Cotovia, confirma-nos que "[…] o quadro do Senhor dando as chaves a São Pedro, são pinturas de Manuel José Gonçalves […]".

Falecido precocemente aos 38 anos, Manuel José Gonçalves, sendo filho do pintor André Gonçalves, terá beneficiado bastante da oficina e dos conhecimentos de seu pai e seu mestre. "O seu mestre foi naturalmente o pai, pelo que as suas obras devem espelhar logicamente uma forte influência deste, e não será de estranhar que algumas das obras actualmente atribuídas a André Gonçalves, sejam de Manuel José Gonçalves".

"No que toca à sua qualidade enquanto pintor, recebeu os maiores elogios por parte dos críticos contemporâneos, como é o exemplo de Manuel da Conceição, ou Cyrillo Machado".

Até hoje apenas se conhece uma pintura que lhe é atribuída, intitulada "Nossa Senhora da Boa Viagem", a qual se encontra na igreja de Nossa Senhora da Piedade em Santarém, e a informação, anteriormente referida, de ter pintado a obra "Cristo entregando as chaves a São Pedro" para a igreja do Colégio e Noviciado Jesuíta da Cotovia, cujo paradeiro se desconhecia e que acreditamos ser a presente pintura.

Através de um inventário realizado em 1759 fica-se a saber que a igreja possuía nove capelas e que a pintura em causa se encontrava na Capela de São Pedro e São Paulo, localizada do lado da Epístola.

Manuel José Gonçalves terá retirado o máximo aproveitamento dos ensinamentos do seu Pai, beneficiando presumivelmente do espólio de gravuras certamente existente e ao seu dispor na oficina de seu Pai. Nesta obra de "Cristo entregando as chaves a São Pedro" Manuel José Gonçalves demonstra ter erudição e talento, tanto na escolha da gravura que lhe serviu de modelo, como na execução da pintura.

Começado a edificar nos inícios do século XVII nos terrenos da antiga quinta do Monte Olivete, doados em 1598 à Companhia de Jesus por Fernão Teles de Meneses, o Colégio e Noviciado da Cotovia começou em funcionamento a 13 de Janeiro de 1619.

A igreja do Noviciado recebia frequentemente a visita de nobres da corte, bem como membros da realeza, como é o exemplo de Dona Catarina de Bragança, rainha de Inglaterra, que nela mandara edificar uma capela privada. Outras rainhas portuguesas detinham grande apreço por esta igreja, como é o caso de Dona Maria Ana de Áustria. Em 1717, a Gazeta de Lisboa descreve "No 1, dia deste anno, visitou a Rainha Nossa Senhora a Casa do Noviciado da Companhia de Jesus, com as Sereníssimas Senhoras Infantes D. Maria & D. Francisca, & depois de fazerem oração na Igreja, passaraõ à Capella interior do mesmo Noviciado, para ver o presépio dos Noviços […]".

Em 1759, na sequência da expulsão dos Jesuítas, o Noviciado foi abolido e no seu edifício foi instalado o Real Colégio dos Nobres. No decreto de extinção do Noviciado foi ordenado o inventário de todos os bens que o integravam. Neste documento, a pintura não se encontra descrita pela sua iconografia, tendo o seu redactor optado por a descrever na sua globalidade: "Terceira Capela de São Pedro e São Paulo – […] e sobre as portas da mesma Capela dois painéis grandes com molduras pinturas de azul fingindo pedra com filetes dourados […]".

Por decreto de 11 de Janeiro de 1837, o Real Colégio dos Nobres foi extinto e no seu lugar foi criada a Escola Politécnica de Lisboa, tendo todos os bens sido arrolados, incluindo os da igreja. É no inventário de 11 de Abril de 1838, que nos é dado a conhecer a temática das duas pinturas descritas no referido inventário de 1759: "Capela de S. Paulo – […] dos lados guarnecendo as paredes dois grandes painéis um da Conversão de S. Paulo, outro da Aparição do Senhor a S. Pedro e mais Apóstolos […]".

A 22 de Abril de 1843 ocorreu um enorme incêndio destruído totalmente a igreja do edifício. "Ao cabo de cinco horas, a fundação antiga dos Jesuítas, o Collégio dos Nobres, a Escola Polytechnica e do Exército, tinham completamente cessado de existir. O templo, rico de suas esculturas em mármore, de suas pinturas a fresco, de suas esculturas e morais antigas, foi o último que veio ruidosamente à terra".

Tem sido tradicionalmente considerado que a esmagadora maioria dos bens da referida igreja foram consumidos pelas chamas, apenas tendo sido salvos bens de pequenas dimensões. Mas tal consideração nunca colocou a hipótese de diversos outros bens poderem ter sido salvos ou de já não se encontrarem na igreja, entre eles algumas pinturas.

Tanto mais que Gustavo de Matos Sequeira, na sua obra "Depois do Terramoto - Subsídios para a História dos Bairros Ocidentais de Lisboa", publicada em 1916, refere textualmente que "Numa arrecadação, situada no último corredor norte do edifício encontrei alguns destroços do antigo templo, transferidos para ali, há tempo, de outros esconsos onde se tinham recolhido depois do incêndio de 1843", seguindo-se o inventário dos bens salvos que encontrou, neles se incluindo oito pinturas, comprovando a sobrevivência de diversas pinturas ao incêndio de 1843.

Assim sendo, não podemos excluir a hipótese da presente pintura corresponder à obra de Manuel José Gonçalves diversas vezes referida nos documentos, a qual poderá ter sido salva do incêndio ou saído da igreja, para onde foi produzida, entre 1838 (ano do último inventário em que se encontra referida) e 1843 (ano do incêndio que destruiu a igreja), entregue à Junta do Crédito Público (organismo responsável pela venda de bens nacionais desde 1835 até 1843), e vendida finalmente em hasta pública, hipótese de que não encontrámos qualquer registo.

Por outro lado, apesar de todas as buscas efectuadas, não foi possível encontrar nenhuma nota de encomenda da obra. O arquivo do Noviciado, tal como as suas obras de arte, sofreu com todas as modificações ocorridas, sabendo-se que se espalhou por vários arquivos. Após a criação da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, no antigo edifício da Escola Politécnica de Lisboa, foi decidido concentrar toda a informação no antigo noviciado. Todavia, em 1978, deflagrou outro grande incêndio no edifício, tendo sido perdida inúmera documentação. Na ausência de documentação da época relativa a esta obra de Manuel José Gonçalves, somente nos podemos apoiar nas «memórias» redigidas por Cyrillo Volkmar Machado e por Luís Gonzaga Pereira.

Susana Isidro
Mestre em História da Arte com a tese "O laboratório de André Gonçalves e os programas de pintura no barroco quinto-joanino", Faculdade de Letras – Universidade de Lisboa, 2015.


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