“Não sou um colecionador de impulso. Pensei bastante sobre o tipo de coleção que queria. E, lá está, centrei-me no moderno e no contemporâneo, com foco nos trabalhos sobre papel”
É com muito gosto que, vos anuncio que no próximo leilão presencial da Cabral Moncada Leilões, no dia 10 de novembro, vai à praça um núcleo de lotes provenientes da Coleção João Esteves de Oliveira. Colecionador, galerista, mecenas, amante das artes e das letras, João Borges Esteves de Oliveira (1946-2023) nasceu na cidade do Porto, estudou Economia e teve uma longa carreira na Banca internacional antes de se tornar galerista.
O gosto pela arte remonta à juventude. Conta-se que, quando terminou o curso na Faculdade de Economia do Porto, recebeu de presente dos seus pais um menino Jesus Bom-Pastor, em marfim, indo-português do século XVII. O jovem João Esteves de Oliveira preferia uma obra de arte em vez de uma mota ou uma viagem aos E.U.A, como era comum entre os rapazes da sua época.
Começou a comprar arte no início dos anos 70, tinha apenas 25 anos, quando adquiriu a primeira obra, um desenho de Jorge Pinheiro, artista muito apreciado pelo colecionador e bem representado neste leilão.
Durante os tempos em que trabalhou na Banca, viveu em Londres e Paris, visitou galerias, museus e antiquários e criou relações de amizade com vários artistas, nomeadamente Júlio Pomar e Jorge Martins que, mais tarde, desempenhariam um papel relevante na galeria.
Na sequência da reestruturação do sistema financeiro em Portugal, João abandonou a Banca, optou por uma situação de reforma antecipada e teve a coragem e a ousadia de inaugurar uma galeria homónima, João Esteves de Oliveira Trabalhos sobre papel Arte Moderna e Contemporânea. A sua missão era promover as obras sobre papel, independentemente das técnicas utilizadas nesse suporte, o que era inédito no panorama artístico português da época.
Para Julião Sarmento, “João era um homem bom que teve um sonho, abandonou o mundo dos números e dos negócios” e resolveu dedicar-se “àquilo que realmente o apaixonava”.
Abriu a galeria no Chiado, em frente ao Grémio Literário e a caminho da Faculdade de Belas Artes, onde tive o gosto e o privilégio de colaborar durante quase duas décadas, desde outubro de 2002 até à primavera de 2019. Desde então, sou consultora na Cabral Moncada Leilões.
JEO, como assinava nos prefácios dos catálogos editados pela galeria, é uma figura incontornável no mundo da arte contemporânea. A sua atividade enquanto galerista foi determinante para a valorização do trabalho sobre papel, conferindo-lhe uma visibilidade e um reconhecimento que até então lhe haviam sido recusados. Segundo Pedro Cabrita Reis, pela mão de JEO o desenho deixou de estar guardado nas pastas dos ateliers dos artistas e ganhou autonomia e identidade. No campo das artes plásticas, JEO é uma referência para os artistas plásticos, curadores, críticos, colecionadores e para as pessoas do mundo das artes e da cultura portuguesa.
Como colecionador, tinha interesse em faiança portuguesa, porcelana chinesa de exportação dos séculos XVII e XVIII, e mobiliário renascentista. No entanto, o trabalho sobre papel foi, sem dúvida, o protagonista da sua coleção, já que o desenho era a disciplina que mais o atraía.
O gosto foi o principal critério de seleção dos artistas, quer como colecionador, quer como galerista. A maioria dos autores que expuseram na galeria já fazia parte da sua coleção e muitas obras da mesma provêm das exposições curadas pelo galerista. O próprio afirmava frequentemente, junto dos seus clientes, com orgulho e elegância: - “eu sou o melhor cliente da galeria!” Não podemos separar o colecionador do galerista.
Se percorremos este conjunto de lotes que vai a leilão, destacam-se algumas obras de autores modernistas que tiveram exposições individuais na galeria. Entre elas, destaca-se o desenho de Bernardo Marques (1898-1962), que integrou a exposição “Bernardo Marques de Museu”. Segundo o galerista, esses trabalhos não só eram de primeira escolha, como também foram selecionados para grandes exposições museológicas dedicadas à obra do artista. Também se ressalva a aguarela de André Derain (1880-1954), adquirida pelo colecionador na exposição André Derain: O Ocaso de um Fauve, em 2015. O leilão reúne ainda obras de Almada Negreiros, Diogo Macedo, Júlio Reis Pereira e José Régio.
No contexto contemporâneo, realço as obras de Pedro Cabrita Reis, artista muito apreciado pelo galerista, designadamente o autorretrato “The Large self portraits” e a grandiosa obra “Cântico Negro”. O trabalho de Julião Sarmento figurou numa exposição “Women, Houses , Plants” e está reproduzido no catalogue raisonné da série do mesmo nome editada pela galeria em parceria com as Edições Almedina.
A coleção JEO integra núcleos autorais relevantes, especialmente de Júlio Pomar e de Jorge Martins, ambos representados neste leilão.
Sobressaem obras de artistas com carreiras relevantes na arte contemporânea: Ana Jotta, Pedro Calapez, José Pedro Croft e Jorge Queiroz, sem esquecer os lotes de nomes incontornáveis como Jorge Pinheiro, Fernando Calhau, António Sena, Álvaro Lapa, Ângelo de Sousa e Joaquim Bravo.
O leilão também inclui desenhos de artistas mais jovens, que expuseram os seus trabalhos no Chiado, designadamente Manuel Caldeira, Jorge Nesbitt, Marco Pires e Vasco Futscher.
Merecem referência especial trabalhos sobre papel de artistas internacionais de relevo, entre os quais se destacam: Sonia Delaunay (1885-1979), adquirida pelo colecionador na Sotheby’s; um retrato da autoria de Stephen Conroy (1964), proveniente da galeria Marlborough; um desenho a grafite do pintor japonês naturalizado francês Tsuguharu Foujita (1886-1968) (lote); e a obra de Sandra Vásquez de la Horra (1967), artista chilena que vive atualmente na Alemanha e que realizou uma exposição individual na galeria “Todas Íbamos a ser Reinas”, cujo trabalho é relevante na coleção JEO.
As obras que vão a leilão são testemunhos desse legado, cada uma delas carrega, não só a marca de seu criador, mas também o olhar atento, seleto e criterioso de um colecionador galerista que soube reconhecer a essência de cada obra.
Isabel Andrade Dias