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Sessão única | March 24, 2025  | 330 Lotes

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GREGÓRIO LOPES - 1490-1550 Jesus orando no Horto das Oliveiras óleo sobre madeira de carvalho c. 1530 pequenos restauros, suporte com ínfimos vestígios de insectos xilófagos Dimensões (altura x comprimento x largura) - 114 x 134,5 cm Notas: representado em CARVALHO, José Alberto Seabra de - "Gregório Lopes". Lisboa: Edições INAPA, 2004, pp. 40-41.
Obra estudada e apresentada por CAETANO, Joaquim Oliveira - "Uma desconhecida obra-prima de Gregório Lopes". In "Estudo da pintura portuguesa - Oficina de Gregório Lopes - Actas" - Lisboa: Instituto José de Figueiredo, 1999, pp. 129-132.

Uma desconhecida obra-prima de Gregório Lopes
Joaquim Oliveira Caetano

“Centremo-nos, no entanto, no essencial deste trabalho, que tem como fim dar a conhecer um belíssimo quadro de Gregório Lopes que recentemente apareceu à venda num leilão em Viena. Trata-se de uma Oração de Cristo no Horto, óleo sobre carvalho, medindo 1140 mm de altura por 1345 mm de comprimento. O quadro foi posto à venda num leilão realizado em Viena pela casa Dorotheum, em 7 de Outubro, com o nº 138 do respectivo catálogo, com a base de licitação de 50.000 Euros e uma estimativa de 64.000, mas ignoramos o valor que terá atingido. Reproduzida a página inteira e a cores no catálogo da subasta, a pintura, sem proveniência indicada, estava atribuída ao flamengo Bernard van Orley. O termo utilizado no alemão, “zugeschrieben” (atribuição), é rigorosamente definido pelos catalogadores da prestigiada leiloeira como “provavelmente, mas sem segurança, obra do artista”, precaução que, para além do lado da segurança comercial, tem aqui rigorosa razão de ser, pois, em face do desconhecimento geral a que fora de fronteiras é votada a pintura portuguesa, a forma mais fácil e reconhecível de a entender é obviamente, no quadro da pintura flamenga, de quem aliás, como é sabido, a nossa pintura da primeira metade de Quinhentos é essencialmente devedora. No caso presente, a associação feita com Van Orley é, só por si, bastante curiosa, não só pelo nome do famoso mestre de Bruxelas ter sido um dos mais apontados nas comparações com Lopes (Luís Reis-Santos, Reynaldo dos Santos, para citar apenas as mais antigas) como pela quase rigorosa contemporaneidade dos dois artistas. Van Orley nasceu em 1488 (e não 1491, como o catálogo ainda refere) e faleceu em 1542. Lopes terá nascido em ano incerto próximo de 1490, vindo a falecer em 1550.
Mais interessante no entanto é a comparação que pode ser feita não só entre as obras dos dois pintores como, e talvez sobretudo, entre as posições que ocuparam no contexto das respectivas artes nacionais. Ambos são artistas de corte: Lopes ocupando desde muito cedo (1521) o cargo de pintor régio de D. Manuel, confirmado por D. João III; Orley entrou em 1515 para o serviço da regente Margarida de Áustria, por quem foi feito “pintor da corte” três anos mais tarde, cargo que lhe foi confirmado em 1530 por Maria da Hungria; ambos montam oficina no centro político: Lisboa no caso de Lopes, Bruxelas no caso de Van Orley; e, mais importante do que estas coincidências, ambos partem de de soluções plásticas enraizadas na experiência anterior, para desenvolverern uma pintura progressivamente mais aberta a um italianismo indirectamente apreendido, num processo que, para os dois pintores, terá essencialmente os mesmos modelos de desenvolvimento: uma recorrência de citações ao modo clássico, sobretudo através da arquitectura e dos artefactos de ourivesaria e armaria, e uma especulação própria sobre determinadas soluções peripécticas, certamente reelaboradas com interesse pessoal e algum distanciamento, a partir de uma base teórica apreendida na tratadística. Comentários como os que Philippot faz a propósito do retábulo des Charpentiers (1512), onde “les architectures rompent avec le répertoire gothique des petits maîtres de la fin du XVe siècle au profit de combinaisons scénographiques de motifs bizarrement italianisants assemblés de manière tout extérieure, mais qui contribuent de façon décisive à souligner la structure cubique et la solidarité avec l’extension horizontale de l’espace” (Paul Philippot, la peinture dans les Ancients Pays-Bas, 2” ed., Paris, Flammarion, 1998, p. 155), poderiam aplicar-se de forma certeira à pintura de Lopes, em data um pouco mais tardia, desde as primeiras obras onde se percebe a sua presença efectiva, como o retábulo do Paraíso e, mais seguramente ainda nas pinturas da década de 1530, como os quadros das duas grandes empreitadas de Tomar, ou o retábulo de Santos-o-Novo. No fundo, ambos os artistas foram sensíveis aos novos ventos do paradigma italiano, que literatos humanistas, mecenas ilustrados e as mais novas gerações de pintores perfilhavam, sem abandonarem contudo, de todo, as respectivas raízes das ricas tradições pictóricas locais de que eram herdeiros e nas quais tinham feito a sua aprendizagem.
É claro que nada, nesta situação de paralelismo histórico, nem as ligações próximas entre as pinturas flamenga e portuguesa, pode servir como base para a atribuição da pintura em questão a Van Orley, pois trata-se, claramente, como a técnica, os tipos de figuras, a composição da paisagem, o colorido, ou a inserção das figuras no fundo deixam entender, de uma pintura portuguesa e, a nosso ver de uma obra de Gregório Lopes. Aliás, a monumentalidade de escala, no contexto do painel, das figuras principais em relação às secundárias e à paisagem são absolutamente estranhas à pintura de Bernar Van Orley, e características da pintura de Lopes, que retirara a lição directamente do seu mestre, sogro e antecessor no cargo de pintor régio Jorge Afonso.
Para além deste aspecto geral, é possível encontrar entre esta pintura e a obra de Lopes conhecida em Portugal imensos pontos de contacto particulares. O tipo de arvoredo vemo-lo, por exemplo na Virgem com o Menino e Anjos (c. 1536-1538), que veio do Convento de Cristo de Tomar para o Museu Nacional de Arte Antiga, ou no pequeno painel de S. Jerónimo penitente da igreja de Merceana; o tipo de casario também existe no primeiro destes quadros e não é substancialmente diferente, nem na técnica nem no desenho, do fundo arquitectónico do Martírio de S. Sebastião da mesma proveniência e também no MNAA; o tipo de panejamentos, nomeadamente na figura de Cristo é, tanto no pregueado, como na decoração dourada das fímbrias, o mesmo que encontramos por toda a obra de Lopes, desde o retábulo do Paraíso, o mesmo se podendo dizer da auréola estrelada, com cruz sobreposta, dada por pequenos riscos dourados paralelos; a figura de S. João é repetida da Morte da Virgem (1527?) do chamado retábulo do Paraíso (MNAA), num modelo que também não anda distante do anjo anunciador do painel de Santos-o-Novo; em Santos-o-Novo repete-se também de forma invertida e alterada pelas dimensões do painel, o essencial da composição do quadro de Viena de Áustria; os olhos encovados e chorosos do Cristo, bem como alguns tipos de figuras mais idosas retomam-se na série dos Arcos; o modelo de S. Pedro não está muito distante do Convento de Jesus de Setúbal; o desenho das mãos em oração quase exactamente idêntico ao do já citado painel da Merceana. O colorido, enfim, é o do Paraíso e de S. Francisco da Cidade. E ainda com o retábulo do Paraíso, vale a pena comparar o desenho dos montes, e a arquitectura de torres e arcos do fundo da Fuga para o Egipto, com o quadro que agora apresentamos.
Estes elementos, para além do desenho e dos elementos de composição espacial, em que as figuras centrais se impõem ao espaço pictórico e criam relações de imediata distância pela escala, mais do que pela arrumação no espaço paisagístico, com os grupos secundários (veja-se como exemplo maior o Martírio de S. Sebastião do MNAA, mas também Setúbal, ruas também os quadros de São João de Tomar e os do Museu da Sé de Évora), permitem-nos avançar para uma atribuição a Gregório Lopes do painel vendido na casa Dorotheum em Outubro último, com a certeza que a observação da pintura apenas pela reprodução (aliás excelente) do catálogo nos pode permitir.
Com o mesmo grau de (in)certeza podemos colocar a obra nos anos do retábulo do Paraíso, ou pouco depois, quando terá sido executado o S. Jerónimo da Irmandade de Nossa Senhora da Piedade da Merceana (Convento de Charnais), altura em que o colorido de Lopes é mais vibrante, e o seu desenho mais adocicado. Em todo o caso, imediatamente antes da Nossa Senhora da Misericórdia, da Misericórdia de Sesimbra. Se assim for, talvez a primeira pintura conhecida de Gregório Lopes dentro de um formato - o rectângulo mais largo que alto - que lhe será compositivamente caro até às tábuas da Charola de Tomar, num modelo que lhe vai permitir jogos de perspectiva da paisagem e de relações entre as figuras particularmente audazes, bem como uma narratividade particularíssima.
No caso da pintura de Viena torna-se evidente o seu ainda incipiente domínio deste tipo de composição, que o obriga, por exemplo, à colocação do escarpado monte no centro do painel, de forma a fechar a profundidade central da paisagem, exactamente o artifício que mais pujança dá a fundos de painéis como o já referido S. Sebastião do MNAA. Do que não resta dúvidas, porém, é do seu domínio seguríssimo na aplicação da matéria, e no colorido elegante e luminoso, que faz desta pintura uma obra maior entre as pinturas de Gregório Lopes e, se estamos certos na cronologia que lhe atribuímos (cª de 1530), importante também por documentar o momento imediatamente anterior ao seu ponto de viragem para um italianismo cada vez mais assumido.
Nota final: Já em período de edição destas actas tivemos a grata informação de o quadro a que dedicamos esta breve notícia ter sido comprado para uma colecção portuguesa, depois de ter sido vendido no leilão de Viena a um antiquário londrino. A transacção, ocorrida após e na sequência da comunicação que realizamos vem pôr em evidência a importância da historiografia da arte na preservação (e neste caso na reposição) do Património Cultural português, e também, como é evidente, o papel dos coleccionadores privados, quando norteados por verdadeiros valores de identificação com a arte e com os valores patrimoniais nacionais. Está agora, obviamente, facilitada a tarefa de um estudo mais exaustivo da peça, que a sua grande importância exige."

Cf. CAETANO, Joaquim Oliveira - "Uma desconhecida obra-prima de Gregório Lopes". In "Estudo da pintura portuguesa - Oficina de Gregório Lopes - Actas" - Lisboa: Instituto José de Figueiredo, 1999, pp. 130-132.

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