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Sessão única | July 5, 2021  | 319 Lotes

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Pendente tríptico "Cenas da Paixão de Cristo" prata dourada, buxo, esmaltes, penas de colibri Mexicano séc. XVI pequenas faltas, sinais de uso e oxidação sem marcas Portuguesas, ao abrigo do Decreto-Lei 120/2017, de 15 de Setembro - art. 2º, nº 2, alínea c) Dimensões (altura x comprimento x largura) - 10 x 4 x 8 cm; Peso - 105,7 g. Notas: Proveniência: Quinta da Margem do Arade, Olhalvo, Alenquer

exemplar semelhante integra a colecção do Metropolitan Museum de Nova Iorque -  https://www.metmuseum.org/art/collection/search/191598 consultado a 18/06/2021 às 14:15h; vd. https://www.youtube.com/watch?v=4QQ1aKhDoBg; outro exemplar integra a coleção do British Museum - https://www.britishmuseum.org/collection/object/H_1889-0507-7, consultado a 21/06/2021 às 11: 35h

Pendente tríptico “Cenas da Paixão de Cristo”

NOTA:

A Cabral Moncada Leilões regista e agradece a Henrique Correia Braga o seu decisivo contributo para a identificação desta peça e a partilha da investigação que levou a cabo, designadamente
a localização das quatro outras peças semelhantes conhecidas, conforme adiante se refere.


DESENVOLVIMENTO

Para além do imediato espanto que provoca pelo seu trabalho detalhado, este tríptico do século XVI é tanto mais fascinante quanto mais analisado, uma vez que manifesta, com solenidade, o tempo e o cruzamento de culturas de que é fruto.
Encimada por uma caveira alusiva à vanidade da vida terrena, a estrutura deste objecto – elaborada numa combinação de prata dourada e esmaltes – encerra em si seis cenas da Paixão de Cristo: à esquerda, a agonia de Cristo no Jardim das Oliveiras e o escárnio de Cristo; ao centro, o Calvário e o Lava-pés; e, à direita, uma das quedas de Cristo a caminho do Calvário e o julgamento de Cristo no Sinédrio. São episódios incontornáveis para a fé católica, especialmente durante a Semana Santa, na qual se faria certamente mais recurso a este pequeno, mas luxuoso, oratório de devoção particular.

As esculturas são elaboradas em madeira de buxo – um material denso e homogéneo, ideal para trabalhos minuciosos – no mesmo estilo em que se concebiam, por exemplo, as igualmente detalhadas contas de oração tão requisitadas no norte da Europa, durante a mesma época. Contudo, as penas de colibri que revestem o fundo de cada cena transportam a concepção da peça para o México.

Na história deste país, o início do século XVI é marcado pela chegada dos colonizadores espanhóis, entre os quais se encontravam missionários católicos, que recorriam também ao ensino artístico para sua acção catequética. Assim, o engenho dos artistas nativos não só evoluiu como passou a ser canalizado para peças de cariz cristão, como a que a Cabral Moncada Leilões leva agora à praça. Frei Jerónimo de Mandieta (1525-1604), na sua Historia eclesiástica indiana (1956), descreve o ensino oferecido aos indígenas, ao falar do flamengo Frei Pedro de Gante (c. 1480/6-1572), que criara a escola de San José de los Naturales, onde possivelmente se ensinava a arte da escultura miniatural:
“El cual no se contentando con tener grand escuela de niños que se enseñaban en la doctrina cristiana, y á leer y escribir y cantar, procuró que los mozos grandecillos se aplicasen á deprender los oficios y artes de los españoles, que sus padres y abuelos no supieran, y en los que antes usaban se perficcionasen.”

As penas eram já um elemento decorativo frequentemente utilizado nas comunidades pré-hispânicas. A plumería era especialmente primorosa na região do México Central, muito devido à simbologia sagrada, particularmente vinculada a rituais sacrificiais. As penas de colibri, concretamente, eram associadas ao principal deus da religião asteca, Huitzilopochtli, e, portanto, as mais adequadas para serem adaptadas para as peças de temática cristã, executadas com base nas gravuras trazidas pelos europeus. Destarte, o valor religioso e sacrificial que as penas já detinham é, de certa maneira, transformado e aproveitado para a exaltação da religião trazida pelos europeus, como um instrumento de evangelização, como nos prova, adicionalmente, o seu uso na ornamentação de igrejas ou procissões.

As suas cores iridescentes – que o tempo atenuou – tinham impacto suficiente para conseguir reforçar ainda mais a beleza das esculturas. Estas, por sua vez, eram alvo de um detalhe tal que, mesmo sem fazer recurso à policromia, conseguem ainda hoje transmitir ao observador as expressões e a profunda emoção que decorre nas cenas representadas.
Por fim, fará sentido sublinhar que este tipo de trabalhos foi executado no século em que o Papa Paulo III emitiu a bula Sublimis Deus (1537), em que reconhecia os índios como seres racionais e capazes de serem cristianizados. É admirável verificar como estas obras de arte transmitem já conteúdo essencial dessa bula.

A raridade desta peça decorre do facto de apenas serem conhecidos quatro trípticos semelhantes a este pendente: um no British Museum; outro no Metropolitan Museum of Art, outro no Minneapolis Institute of Art e outro, finalmente, na Melvin Gutman Collection.


Ilustrando o que antecede, vd. https://www.youtube.com/watch?v=4QQ1aKhDoBg [consultado a 22/06/2021 às 12:23].

Texto de: Isabel Maria Mónica

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