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euro_symbol€ 30,000 - 45,000 Base - Estimativa
Cruz-Relicário Lusíada - Arte Namban liga de cobre dourada decoração relevada com fundo lacado a negro: numa face "Cristo crucificado encimado por cartela com «Titulus Crucis» INRI e a Seus pés uma caveira e dois ossos cruzados"; noutra face Santíssimo Sacramento encimado pela Pomba do Espírito Santo, ladeada por Anjos esvoaçantes e a seus pés um ramo de flores do damasqueiro chinês com inscrição LOUVADO SEIA O SANCTISS[IM]º SACRAME[NT]º período Momoyama (1573-1615) argola de suspensão europeia posterior, algum desgaste no dourado Dimensões (altura x comprimento x largura) - 16,5 cm Notas: vd. CRESPO, Hugo Miguel - "Jóias da Carreira da Índia", Catálogo da Exposição. Lisboa: Museu do Oriente, 2014-2015, pp. 62 e 195, nº 110; e "São Roque Antiguidades - 2017", Catálogo. Lisboa: São Roque Antiguidades e Galeria de Arte, 2017, pp. 194-196, nº 153;e RIBEIRO, José Alberto (coord.) - "Uma História de Assombro - Portugal - Japão - Séculos XVI-XX", Catálogo da Exposição patente na Galeria de Pintura do Rei D. Luís, Palácio Nacional da Ajuda. Lisboa: DGPC - Palácio Nacional da Ajuda / Ministério dos Negócios Estrangeiros - Instituto Diplomático, 2018, p. 65.Encontram-se Crucifixos-Relicários Namban no Museu Nacional de Soares dos Reis, no Porto, no Museu Victoria & Albert, em Londres, no Asian Civilisations Museum, em Singapura e no Museu Nacional de Tóquio, no Japão, assim como em várias coleções particulares portuguesas.Esta rara cruz-relicário em shakudō, uma liga de cobre (com ouro, prata e arsénio), lacada a negro (urushi) e dourada a fogo, pertence a uma produção japonesa conhecida por sawasa. Munida de uma argola de bronze para suspensão, acrescentada posteriormente no topo, a cruz encontra-se internamente dividida em pequenos compartimentos destinados a conter relíquias - todos vazios. Possui duas tampas cruciformes, frente e verso, fundidas em relevo e finamente cinzeladas enfatizando os pormenores, articuladas na parte superior, em ambos as faces, por dobradiças internas, e fixas com parafusos nos braços da cruz. Numa das tampas figura Cristo Crucificado com o monograma sagrado “INRI” (Iesus Nazarenus Rex Iudaeorum, ou “Jesus de Nazaré, Rei dos Judeus”) inscrito acima e, a seus pés, um crânio humano e dois ossos cruzados simbolizando o Gólgota - literalmente, “crânio”. A outra tampa apresenta, ao centro, o cálice eucarístico com a hóstia consagrada por cima (representando Cristo Crucificado), encimado pelo Espírito Santo sob a forma de pomba, ladeado por dois anjos voando por entre nuvens. Em baixo, quase ocupando o braço mais longo da cruz, encontra-se uma extensa inscrição em português, distribuída por oito linhas. Em letras capitais, lê-se: “LOV // VADO // SEIA // O SA // NCTI // SS[IM]O // SACR // AM[EN]TO”, ou “Louvado seja o Santíssimo Sacramento”. Sob a inscrição, vê-se um ramo de damasqueiro-do-japão (Prunus mume), conhecido em japonês por ume, com sua flor de cinco pétalas característica - símbolo de beleza, pureza e longevidade, flor do Inverno e, a par das nuvens, um dos raros elementos puramente japoneses presentes na decoração desta cruz-relicário.Inspirada num protótipo ibérico, esta cruz-relicário - tal como os outros exemplares conhecidos que subsistem deste período pujante mas também turbulento da história religiosa do Japão - é um exemplo paradigmático da relação entre modelo e réplica, corporizando a circulação de objectos e de formas ao longo das rotas marítimas transcontinentais: uma viagem de tipologias artísticas que caracteriza os intercâmbios estéticos entre Portugal e a Ásia na Idade Moderna. Trata-se de uma produção rara e muito sofisticada de objectos religiosos e devocionais no âmbito da arte Nanban, expressão artística japonesa que, incorporando temas europeus ou cristãos (kirishitan), cativava tanto os nativos curiosos e cosmopolitas como os “Bárbaros do Sul” (Nanbanjin), em especial os portugueses estantes na Ásia. Servindo não apenas como foco para meditação e exercícios espirituais, mas também como contentor de raras e preciosas relíquias, o uso de tais crucifixos reflecte as práticas devocionais promovidas pela devotio moderna, movimento que chegou à Ásia com os ensinamentos e o proselitismo dos jesuítas. Produzidas, ao que tudo indica, numa única oficina, estes objectos destinavam-se, tudo leva a crer, a uma comunidade abastada de recém-convertidos japoneses, desejosa de ter nas mãos relíquias de santos longínquos com os quais se identificava, e cujas hagiografias constituíam pilares da sua instrução doutrinal ministrada pelos missionários jesuítas. Poderiam igualmente ter sido concebidas como ofertas diplomáticas de padres jesuítas a altos dignitários das cortes regionais japonesas que haviam conseguido converter, integrados no séquito de poderosos daimyō (senhores da guerra). Tais esforços de conversão prosseguiram até ao início das perseguições, em 1587, e ao martírio de Nagasaki, em 1597, prolongando-se até ao édito de 1614 e culminando com a expulsão dos portugueses em 1639. É, portanto, pouco provável que este tipo de produção tenha continuado para além do primeiro quartel de Seiscentos. Duas cruzes-relicário deste tipo pertencem à colecção do Victoria and Albert Museum, Londres (inv. 168-1886 e 200-1881). 1 No Museu Nacional de Soares dos Reis, Porto, existem também dois exemplares, um dos quais (inv. 6 Our), proveniente do Paço Episcopal do Porto, apresenta uma Nossa Senhora em adoração, encimada por sol flamejante e flores nos outros braços da cruz, e uma longa inscrição mariana nos lados da cruz. O outro (inv. 102 Our), adquirido em 1947, mostra Cristo Crucificado numa das faces e Nossa Senhora em adoração na outra, rodeada por ramos de ume em plena floração. O National Museum de Tóquio (inv. C-874) conserva um exemplar mais pequeno (7,9 x 3,9 cm), de execução muito mais simples - com o monograma “IHS” dos jesuítas rodeado por alguns dos arma Christi numa das faces, e outros símbolos da Paixão e flores estilizadas de paulónia (ou árvore-da- imperatriz) na outra. Um outro exemplar (15,0 x 11,0 x 2,5 cm) pertence hoje ao Asian Civilisations Museum, Singapura (inv. 2017-00943). Tal como um dos exemplares do museu do Porto, o de Singapura apresenta Cristo Crucificado num lado e Nossa Senhora no outro. Um exemplar muito bem preservado, pertencente a uma colecção particular portuguesa, mostra, numa das faces, a Virgem com o Menino. Outra cruz, também em colecção particular portuguesa, foi exposta pela primeira vez em 2014, lado a lado com uma cruz-relicário ibérica de prata, de forma idêntica. 2 A sua iconografia e motivos coincide exactamente com a da presente cruz, incluindo a inscrição em português. Um outro exemplar também idêntico (15,0 x 10,0 x 2,5 cm), pertencente à São Roque Antiguidades, difere apenas na decoração floral das laterais, onde se incluem flores de paulónia. Existem ainda outras cruzes, de construção distinta, com tampa de deslizar e aberturas vazadas, concebidas para permitir a contemplação das relíquias guardadas no interior. Um desses exemplares (14,0 x 9,7 x 1,2 cm), agora em colecção particular lisboeta, foi publicado em 2016. 3 Outro, de menores dimensões (8,3 x 5,6 x 0,8 cm), pertence a uma colecção particular portuguesa. Este pequeno grupo de cruzes-relicário, dotado de significado histórico-artístico e transcendência espiritual, testemunha a intensa actividade missionária no Japão do início do século XVII, nas últimas décadas do chamado “Século Cristão do Japão”.Até agora desconhecida, a presente cruz vem acrescentar peso religioso e histórico ao conjunto.1 Max de Bruijn, Johannes Bastiaan, Sawasa. Japanese Export Art in Black and Gold, 1650-1800 (cat.), Amesterdão - Zwolle, Rijksmuseum - Uitgeverij Waanders, 1998, p. 24, cat. 29.2 Hugo Miguel Crespo, Jóias da Carreira da Índia (cat), Lisboa, Fundação Oriente, 2014, pp. 73 e 77, cats. 109-110.3 Hugo Miguel Crespo, Choices, Lisbon, AR-PAB, 2016, pp. 390-397, cat. 34.Hugo Miguel Crespo, Agosto de 2025