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Sessão única | September 30, 2024  | 314 Lotes

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Folha de leque Lusíada - Arte Namban papel decoração dourada e policromada "Cortejo com figuras Namban" vertente Nipo-Portuguesa - período Momoyama (1573-1615)/Edo (1615-1868) pequenas faltas na camada pictórica Dimensões (altura x comprimento x largura) - 20 x 44 cm Notas: Proveniência: colecção particular, Lisboa.
Adquirida a Pedro Aguiar Branco, tendo como proveniência uma colecção particular britânica.

"O ogi, ou leque de folha desdobrável, teve origem e desenvolveu-se no Japão, embora as suas origens exactas permaneçam incertas. Nos finais do século X, leques de folha desdobrável eram regularmente enviados como tributo para a China e a península coreana, considerados distintos dos leques tradicionais de folha rígida (shan em chinês) e referidos como “leques de folha desdobrável” ou “leques japoneses”. Com o tempo, estes transcenderam o seu uso prático em rituais religiosos (enquanto objectos de adoração no xintoísmo ou de oferendas nas práticas budistas) e na vida quotidiana, tornando-se acessórios portáteis de grande versatilidade, apreciados por pessoas de todas as camadas da sociedade japonesa. Durante os períodos Momoyama (1573-1615) e inícios do Edo, os ogi não eram apenas utensílios práticos para refrescar, mas serviam também como símbolos reveladores de estatuto para samurais e as classes elevadas. Dos dois tipos de ogi, o nosso exemplar pertence a um tipo posterior que surgiu no período Heian (794-1185), conhecido como kamiogi, apresentando folha de seda ou papel colada a uma estrutura de bambu. Durante este período inicial, hiogi, feitos de tiras finas sobrepostas de madeira de cipreste amarradas umas as outras, eram usados no inverno, enquanto os kamiogi seriam usados no verão.
Esta rara folha de leque desdobrável Namban, embora sem a sua estrutura original de bambu, sobreviveu dada a sua decoração pintada. Originalmente dobrada em vinte e duas partes, a folha retrata sete figuras masculinas em trajes europeus, provavelmente portugueses. Trajam todos calças largas, muito folgadas, adaptadas pelos portugueses ao clima asiático, quente e húmido. Entre eles, cinco figuras de estatuto mais elevado vestem à moda de corte, mais refinada, com seus chapéus altos. A figura mais importante, protegida por guarda-sol vermelho segurado por um servidor – talvez um homem negro escravizado – veste gibão sobre camisa de linho de gola saliente, uma roupeta de mangas curtas e uma capa vermelha. É flanqueado por dois outros homens vestidos da mesma forma, um dos quais olha adiante, protegendo os olhos para ver melhor o que espera a comitiva lusa. A meio, entre duas figuras que seguiram à frente, outro servidor segura um guarda-sol fechado. As poses, tanto do nobre que olha adiante como este último servidor são codificadas, podendo ser encontradas em biombos Namban coevos (nanban byōbu) e que retratam a chegada dos portugueses ao Japão, tal como o par, de cerca de 1600-1610 no Museu Nacional de Soares dos Reis, Porto (inv. 864-865 Mob MNSR) – veja-se Carneiro (2009). Pintadas sobre um fundo coberto de folha de ouro, as figuras surgem dispostas ao longo da folha do leque como se estivessem cercadas por nuvens nos limites superior e inferior, emolduradas por árvores floridas e pinheiros à esquerda e à direita, emoldurando a composição. As figuras e árvores são pintadas com tinta opaca de cores vivas, de pinceladas soltas e rápidas típicas dessa produção.
Namban ou nanban-jin (literalmente, “Bárbaro do Sul”) é um termo japonês de origem chinesa que se refere a mercadores, missionários e marinheiros portugueses e espanhóis chegados ao Japão nos séculos XVI e XVII. Com o tempo, a palavra “Namban” viu-se associada a artigos de laca (nanban makie ou nanban shitsugei) e outros bens encomendados no Japão para os mercados doméstico e de exportação. Estes reflectem os gostos ocidentais e muitas vezes copiam protótipos europeus ou incluem iconografia europeia, como representações de mercadores, oficiais e missionários portugueses - veja-se Impey, Jörg (2005), Curvelo (2010) e Canepa (2016). Enquanto a laca Namban para exportação tem sido estudada e datada de acordo com os diferentes consumidores europeus que as encomendaram, entre as últimas décadas do século XVI e meados do século XVII, objectos de temática Namban feitos para o mercado interno, como o nosso leque, são mais difíceis de datar. Não se restringindo à presença dos recém-chegados europeus ao Japão, o uso e predilecção por temas Namban, em biombos pintados, leques de folha desdobrável ou outros objectos de uso doméstico, manteve-se por um período mais longo.
Leques de folha desdobrável Namban são extremamente raros. Um exemplar importante, originalmente dobrado em dezanove partes (21,9 x 50,6 cm), pertence ao Kobe City Museum - veja-se Tani, Sugase (1973), p. 63, cat. 13. Pintado por Kanō Sōshū (1551-1601), que marcou com seu selo vermelho o fundo folheado a ouro, o leque provavelmente representa a Igreja da Assunção da Virgem Maria em Kyoto, edifício de estilo japonês consagrado pelos jesuítas em 1575. Sōshū pertencia à importante escola de pintura Kanō (Kanō-ha), responsável por alguns dos mais belos e historicamente importantes biombos Namban que nos chegaram. A produção de leques de folha desdobrável pintados constituiu uma parte significativa da produção da escola no século XVI. Alguns destes leques, pintados com tinta de cor sobre ouro ou segundo um estilo monocromático, não chegaram nunca a ser dobrados, mas foram montados em álbuns para serem admirados como pinturas. Embora a nossa folha de leque partilhe do mesmo tipo de pincelada rápida do leque de Sōshū em Kobe, os pigmentos usados e a técnica de pintura mais espessa e opaca sugerem um afastamento face ao estilo típico da escola Kanō. É provável que a apetência por tudo que fosse estrangeiro, bem como o consumo cosmopolita de objectos de temática Namban, tenha levado oficinas menos refinadas a produzir este tipo de leque pintado. Muito afastados das representações originais dos pintores Kanō restantes em Nagasaki, testemunhas oculares dos recém-chegados europeus, as figuras pintadas no nosso leque são já simplificadas e um tanto adulteradas, assemelhando-se às que encontramos em objectos lacados produzidos para o mercado japonês nos inícios do século XVII. Estes incluem uma caixa de escrita (8,7 x 20,7 x 4,0 cm) no Kobe City Museum - veja-se Tani, Sugase (1973), p. 95, cat. 44 - e um polvorinho (15,7 x 13,0 x 6,5 cm) no Ashmolean Museum, Oxford (inv. EA1983.243). Chegando por volta de 1543, os portugueses nanban-jin despertariam a curiosidade do povo japonês, um estranho fascínio que se vê reflectida nesta folha de leque desdobrável."

Bibliografia:

Paula Carneiro, “Biombos Namban. Museu Nacional de Soares dos Reis. Namban screens. Museu Nacional de Soares dos Reis”, in Maria João Vasconcelos, Paula Carneiro (eds.), Biombos Namban. Namban Screens, Porto, Museu Nacional de Soares dos Reis, 2009, pp. 80-92; Teresa Canepa, Silk, Porcelain and Lacquer. China and Japan and their Trade with Western Europe and the New World, 1500-1644, Londres, Paul Holberton publishing, 2016; Alexandra Curvelo (ed.), Encomendas Namban. Os Portugueses no Japão da Idade Moderna (cat.), Lisboa, Fundação Oriente, 2010; Oliver Impey, Christiaan Jörg, Japanese Export Lacquer, 1580-1850, Amsterdam, Hotei Publishing, 2005; Tani Shin’ichi, Sugase Tadashi, Namban Art. A Loan Exhibition from Japanese Collections, Washington, International Exhibitions Foundation, 1973

Hugo Miguel Crespo, Agosto de 2024

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