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Sessão única | March 18, 2024  | 290 Lotes

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euro_symbol€ 25,000 - 37,500 Base - Estimativa

gavel€ 42,000Vendido

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Oratório portátil de suspensão Lusíada - Arte Namban madeira integralmente lacada a negro com incrustações de madrepérola e decoração a ouro "Aves e flores" e "Paisagens" cimalha com medalhão "Insígnia da Companhia de Jesus", fecho original em cobre vertente Nipo-Portuguesa - período Momoyama (1573-1615) faltas, ferragens e chapas de consolidação posteriores, falta da pintura Dimensões (altura x comprimento x largura) - (fechado) 69 x 51 x 7 cm; (aberto) 69 x 102 x 7 cm Notas: vd. FREIRE, Fernanda Castro - "Mobiliário - volume II". Lisboa: Fundação Ricardo do Espírito Santo Silva, 2001, p. 141-144; catálogo da exposição "Presença Portuguesa na Ásia", Lisboa: Fundação Oriente, 2008, pp. 127-129, nºs 100 e 101; catálogo da exposição "Encomendas Namban - Os Portugueses no Japão da Idade Moderna". Lisboa: Fundação Oriente, 2010, pp. 87-99, nºs 18, 19 e 21; e CURVELO, Alexandra - "The RA Collection of Cross-Cultural Works of Art - A Colector's Vision". Londres: Jorge Welsh Research & Publishing, 2022, volume VI, p. 324.


Oratório portátil
Japão; ca. 1580-1620
Madeira lacada e dourada com embutidos de madrepérola; ferragens de cobre
69,0 x 51,0 x 7,0 cm (fechado); 69,0 x 102,0 x 7,0 (aberto)

Um raro e importante oratório portátil Namban, ou retábulo de duas portas de grandes dimensões, produzido no Japão para exportação para o mercado europeu. De frontão baixo arqueado e soco simples e estreito, apresenta duas portas que outrora protegiam uma pintura devocional hoje perdida. De pendurar na parede, este oratório estaria destinado à devoção privada no contexto da obra missionária jesuíta na Ásia, em especial no Japão. De madeira leve, provavelmente de cipreste-japonês (Chamaecyparis obtusa), conhecido localmente por hinoki, é lacado (urushi) a preto e decorado a ouro com embutidos de madrepérola (raden). O painel do tardoz é levemente revestido a laca de ambos os lados, contando-se nas ferragens de cobre (kazarikanagu) que apresenta, quatro dobradiças (chōtsugai), ferrolho de gancho para prender as portas quando fechadas e um aro de suspensão na cimalha. As ilhargas e o topo são decorados a planta trepadeira do feijoeiro-do-Japão (Pueraria lobata) ou kuzu. Tanto as faces exteriores como o interior das portas são primorosamente decorados em horror vacui, com grandes painéis divididos em dois registos. Estes, tal como os do interior, são bordejados por padrão de círculos secantes (shippōtsunagi) típico desta produção, que é também utilizado no rebordo do frontão, no soco e na moldura interior que outrora fixava a pintura hoje perdida, possivelmente um cobre. A moldura interior apresenta ainda um friso de trepadeiras e gavinhas (karakusa) também característico desta produção.
A face exterior da porta esquerda é decorada com dois pássaros de cauda longa: um, em baixo, está pousado nos galhos de uma peónia lenhosa florida (Paeonia x suffructicosa), conhecida no Japão por botan, e o outro em cima, paira sobre campainhas-chinesas (Platycodon grandiflorus) ou kikyō. No interior vemos, em baixo, um ramo de diospireiro-da-china (Diospyros kaki) ou kaki e, em cima, uma paisagem rochosa com crisântemos (Chrysanthemum sp.) ou kiku. A face exterior da porta direita apresenta também dois pássaros de cauda longa: um, em baixo, está pousado nos galhos floridos de uma cerejeira-japonesa (Prunus serrulata) ou sakura, enquanto o outro, em cima, plana sobre crisântemos. O interior apresenta um ramo de laranja-tachibana (Citrus tachibana) na parte inferior e campainhas-chinesas no registo superior. A decoração no interior do frontão consiste num medalhão central redondo com o emblema dos jesuítas: o Cristograma dentro de um sol flamejante encimado por uma cruz e com os pregos da Crucificação abaixo, sobre fundo de campainhas-chinesas. O frontão apresenta cercadura de triângulos alternados. Ao contrário de outros exemplares, o frontão do nosso oratório, com o emblema jesuíta, só se torna visível quando aberto. Resultará talvez das crescentes dificuldades enfrentadas pelos missionários no Japão nas primeiras décadas do século XVII e da subsequente perseguição aos recém-convertidos e aos missionários, alguns dos quais martirizados. Lembremos que jesuítas foram banidos em 1587 e oficialmente expulsos na década de 1620, marcando o fim da missionação jesuíta no Japão, iniciada em 1549, quando, a 15 de Agosto, Francisco Xavier (1506-1552) desembarca em Kagoshima.
A refinada decoração a ouro deste raro oratório portátil, conhecido por maki-e, literalmente “imagem polvilhada”, era comum no Japão no período Momoyama e no início do período Edo. A laca produzida especialmente para exportação na cidade imperial de Quioto combinando embutidos de madrepérola com hiramaki-e, é conhecida por nanban makie ou nanban shitsugei - veja-se Pinto (1990), Impey (2000), Impey e Jörg (2005), Curvelo (2010), Kawamura (2013), e Canepa (2016). Namban ou nanban-jin (literalmente “Bárbaros do Sul”) é um termo japonês de origem chinesa que se refere aos mercadores, missionários e marinheiros portugueses e espanhóis que chegaram ao Japão nos séculos XVI e XVII. Namban é também a produção de laca e outros produtos encomendados no Japão para uso doméstico ou para exportação, espelhando o gosto ocidental e muitas vezes replicando protótipos europeus, ou incluindo iconografia europeia, como representações de comerciantes, oficiais e missionários portugueses. Objectos de estilo Namban combinam assim técnicas, materiais e motivos japoneses com estilos e formas europeias, ilustrando uma fusão cultural que surgiu durante este período de intercâmbio cultural.
Oratórios portáteis Namban, de regra com portas e frontão, sobrevivem em número limitado, variando em tamanho e forma, espalhados por colecções públicas e privadas no Japão, Europa e Estados Unidos da América - veja-se Impey e Jörg (2005), pp. 186-189, e Canepa et al (2008), pp. pp. 246-253, cat. 28. O presente exemplar é um dos oratórios portáteis conhecidos desta produção de maior dimensão, superando o oratório (68,2 x 30,4 x 5,6 cm) da Wolverhampton Art Gallery (inv. O.J. 232) - veja-se Impey e Jörg (2005), pp. 186-189, cat. 444. O oratório de Wolverhampton, com seu alto frontão triangular, apresenta também o emblema jesuíta. Ao contrário de muitos exemplares desta produção, muitas vezes com sinais de desgaste, muito restauro ou perda da delicada decoração lacada e dourada, o nosso oratório de grandes dimensões apresenta-se num estado de conservação absolutamente notável, nunca tendo sido restaurado.



Bibliografia:
Teresa Canepa et al., Depois dos Bárbaros II. Arte Namban para os mercados japonês, portuguès e holandês, Londres, Jorge Welsh Books, 2008; Teresa Canepa, Silk, Porcelain and Lacquer. China and Japan and their Trade with Western Europe and the New World, 1500-1644, Londres, Paul Holberton publishing, 2016; Alexandra Curvelo (ed.), Encomendas Namban. Os Portugueses no Japão da Idade Moderna (cat.), Lisboa, Fundação Oriente, 2010; Oliver Impey, “Namban Lacquer for the Portuguese Market”, Oriental Art, 46.3, 2000, pp. 42-47; Oliver Impey, Christiaan Jörg, Japanese Export Lacquer, 1580-1850, Amsterdam, Hotei Publishing, 2005; Yayoi Kawamura (ed.), Lacas Namban. Huellas de Japón en España. IV Centenario de la Embajada Keichô (cat.), Madrid, Museo Nacional de Artes Decorativas, 2013; Maria Helena Mendes Pinto, Lacas Namban em Portugal. Presença portuguesa no Japão, Lisboa, Edições Inapa, 1990

Hugo Miguel Crespo, Fevereiro de 2024

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