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21 de Setembro de 2015
rei, confirmada a morte de D. Sebastião, era o acto político mais
premente: assim, quebrados os escudos pela morte de D. Sebastião
a 27 de Agosto de 1578, no dia seguinte o Cardeal-infante D. Henrique
foi aclamado rei de Portugal na igreja do Hospital Real de Todos-os-
Santos. Duas questões emergiam como fundamentais à actuação
do velho cardeal-rei – a resolução do problema sucessório e o resgate
dos milhares de cativos. Quanto ao primeiro, D. Henrique, de acordo
com os seus conselheiros, solicitou, ainda em 1578, através do seu
embaixador em Roma, a dispensa de ordens sacras ao Papa Gregório XIII
para poder contrair matrimónio, projecto que não teve sequência,
dadas a sua saúde e idade avançada, mas também as manobras da
poderosa máquina diplomática de Filipe II junto da Santa Sé (Amélia
Polónia, D. Henrique. O Cardeal-Rei, 2005, pp. 204-213). Em Janeiro
de 1579, o monarca convocaria Cortes em Lisboa, que tiveram a sua
abertura solene a 1 de Abril nos paços da Ribeira, para analisar
e resolver a espinhosa e complexa questão sucessória. O resgate
dos cativos em África foi o segundo grande problema do seu curto
reinado. Longa é a lista dos titulares, nobres e fidalgos que perderam
a vida em Alcácer-Quibir, bem como dos que aí ficaram cativos,
que urgia resgatar a troco de longas negociações e largas somas. (V.,
entre outras fontes, a relação dos mortos e cativos de condição nobre
em Diogo Barbosa Machado, Memorias para a Historia de Portugal, que
comprehendem o governo d'el-rei D. Sebastião, unico do nome, T. IV,
1751, liv. II, cap. 17 e 184. V. ainda J. M. de Queiroz Velloso,
D. Sebastião, 1935;
-
de-Alc%C3%A1cer-Quibir/12635). Num primeiro momento, D. Henrique
pretendeu custear integralmente o resgate dos cativos, intenção que,
a breve trecho, se revelou financeiramente impossível. A carta régia
de D. Henrique a D. Rodrigo de Meneses, feita em Lisboa, a 7
de Novembro de 1578, é uma peça importante no contexto desta
dramática questão, com a particularidade de dizer respeito a um bem
identificado grupo de cativos em Marrocos: tratava-se dos cerca de
oitenta cativos nobres, grupo restrito e seleccionado por Mulei Ahmed,
cuja entrega o xerife ordenou, sob pena de prisão, logo no dia imediato
à batalha e conduziu à corte de Fez, na expectativa de obter altas
somas pelo seu resgate. Entre eles encontravam-se D. Duarte
de Meneses, acima referido, ou o jovem duque de Barcelos, D. Teodósio,
de apenas 10 anos de idade, filho primogénito e sucessor do duque de
Bragança (Polónia, op. cit., p. 195). Nesta carta, D. Henrique invoca
uma missiva de 18 de Setembro de 1578 que recebera dos
representantes eleitos destes fidalgos, bem como duas outras cartas
individuais de cativos deste grupo, entregues na mesma ocasião: uma
de D. Duarte de Meneses (1537-1588), prestigiado militar e governador
de Tânger desde 1574, outra de D. Fernando de Castro, sobre a mesma
matéria. De forma diplomática mas clara, o cardeal-rei urgia o seu
conselheiro D. Rodrigo de Meneses a entregar-lhe a “instrução”/”auiso”
que havia tempo lhe encomendara sobre o resgate dos prisioneiros,
mas que ainda não recebera. Pedia ainda que, por mensageiro seguro
que viajasse para Fez, os fidalgos fossem avisados da recepção das suas
cartas, “E que não Respondo a Ellas, assy por Esperar Ja agora cada dia
pelo Vosso auiso (como açima digo) E por outras cartas Suas [dos
fidalgos cativos] mays Largas E declaradas”. Instruía ainda D. Rodrigo
de Meneses para que, não havendo risco ou inconveniente, esta carta
régia lhes fosse mostrada por Fr. Roque do Espírito Santo, religioso
da Santíssima Trindade, sendo ele o enviado a Fez, como prova do seu
muito desejo “de animar E consolar estes fidalgos, E todos os outros
que Estão Catiuos”, encomendando-lhes “mujto que proçedão neste
negoçio de seus Resgates conforme ao que eu deles confio E espero”.
Em 1579, em simultâneo com o gravíssimo problema sucessório, várias
embaixadas foram enviadas a Marrocos para fazer avançar o complexo
processo do resgate de cativos. Dada a variedade de situações, de
condição social e de disponibilidade financeira das famílias de muitos
dos prisioneiros, o desenlace foi diferente: do resgate individual,
à ocultação da condição social para fazer baixar a quantia do resgate
– como sucedeu com D. António, filho do infante D. Luís -, aos muitos
anos de cativeiro antes da libertação ou, até, à permanência definitiva
em Marrocos quer como escravos quer diluindo-se na sociedade local.
Ao grupo de Fez foi imposto um resgate colectivo de 400 000 cruzados
mas, não tendo sido possível angariar a totalidade, entre o contributo
da Coroa e das famílias, o governador do Algarve, D. Francisco da Costa,
enviado por D. Henrique a Marrocos, ficou voluntariamente refém
em Fez, onde veio a morrer, caucionando assim, com o seu próprio
sacrifício, o regresso dos nobres cativos de Fez ao Reino,
onde chegaram já em 1580 (Polónia, op. cit., pp. 195-198).
Ana Isabel Buescu
FCSH, Universidade Nova de Lisboa
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(1512-1580)
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16th century document (1578).
Letter by D. Henrique I (King of Portugal, 1578-1580) addressed
to D. Rodrigo de Meneses, of the Royal Council, informing him
of the arrival of a letter from representatives of the gentry
captives in Fez. Asking him to take account of the outcome
of the due diligence that was commissioned by the King as
to the rescue of these Noblemen and pass the good reception
of His letter. Hybrid cursive script of humanist base with cursive
Gothic elements. Upper third of the bifolio (sheets of paper)
with strong stain, allowing, however the full reading (low
weight thin paper). Autograph signature: Rey (King). Keeps
the sheet stamp with the coat of arms of Portugal.
Document dated from Lisbon, November 7, 1578.