O pai de Josefa de Ayala e Cabrera, o pintor Baltazar Gomes Figueira (Peniche, 1604
- Óbidos, 1674), aprendeu pintura em Sevilha entre 1628 e 1630, provavelmente
na oficina do grande mestre Francisco Herrera el Viejo, que foi aliás padrinho de
baptismo da sua filha Josefa. Dessa experiência sevilhana Baltazar trouxe em 1634,
quando regressou a Portugal, não apenas o contacto com um dos maiores e mais
informados centros da pintura proto-barroca do Siglo de Oro espanhol, mas uma
novidade temática, completamente desconhecida da pintura portuguesa até então:
o bodegón, isto é, a natureza-morta autónoma. A novidade do género fez projectar o
pintor e ajudou à manutenção em Óbidos nas décadas centrais do século XVII
de uma das mais importantes oficinas da pintura portuguesa nesse século. Dela
foram cabeças Baltazar e a sua filha que passou à fama sob o nome de Josefa de
Óbidos (Sevilha, 1630 - Óbidos, 1684), mas certamente ambos tiveram outros
colaboradores. Pelo menos um irmão de Josefa, Frei António de Ayala, foi pintor
e também o seu cunhado, José Pereira da Costa. Baltazar apenas assinou naturezas
mortas, como a belíssima Natureza-Morta com peixes que se expõe no Museu do
Louvre antes do começo da actividade profissional de Josefa, e esta, por sua vez,
apenas assinou pinturas deste género depois da morte do pai, pelo que tudo leva a
crer que entendessem ambos a natureza-morta como um trabalho próprio do atelier.
Após as últimas exposições dedicadas a estes dois pintores, tornou-se claro que
a sua forma de executar este tipo de pinturas não era através da cópia directa do
natural, mas da utilização de um conjunto de modelos, ou de motivos, que podiam
ser repetidos isoladamente ou combinados em diferentes associações em obras de
maior complexidade. Devido a este processo de trabalho, certos elementos das
pinturas do atelier de Óbidos podem aparecer-nos em réplicas ou em variantes com
diferenças mais ou menos profundas na sua composição. O modelo do papagaio com
um cesto de peras, como nos aparece nesta composição, é conhecido noutra variante
bastante próxima, mas sem as peras penduradas, e noutra, com maiores diferenças,
mais comprida, a que se juntou um prato de pêssegos. Em todos os casos, a técnica
é muito característica desta escola, sendo difícil de discernir a mão dominante,
embora nos pareça ser a de Josefa que aqui predomina, sem a secura que caracteriza
a obra que mais decididamente se pode atribuir ao seu pai.
Trata-se, em qualquer caso, de mais um excelente exemplo a documentar
a importância que teve na cultura visual do barroco português a oficina obidense
desses dois mestres fundamentais, Baltazar Gomes Figueira e Josefa de Óbidos.
Joaquim Oliveira Caetano
Curador e Historiador de Arte
Bibliografia:
SANTOS, Luís Reis Santos - “Josefa de Óbidos”. Lisboa: Artis, 1956.
SERRÃO, Vitor - “O Essencial sobre Josefa de Óbidos”. Lisboa: Imprensa Nacional -
Casa da Moeda, 1985.
SERRÃO, Vitor (dir.) - “Josefa de Óbidos e o Tempo Barroco”. Lisboa: Instituto
Português do Património Cultural - Galeria de Pintura do Rei D. Luís, 1991.
SERRÃO, Vitor - “Josefa em Óbidos”. Lisboa: Quetzal, 2003.
AA.VV. - “Baltazar Gomes Figueira (1604-1674). Pintor de Óbidos que nos «paizes foi
celebrado»”. Óbidos: Câmara Municipal de Óbidos, 2005.
AA.VV. - “Josefa de Óbidos e a Invenção do Barroco Português”. Lisboa: Museu
Nacional de Arte Antiga / Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 2015.
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cabral moncada leilões 179
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30 de Maio