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O primeiro valor indicado em euros corresponde à reserva contratada com o proprietário
cabral moncada leilões
Q
154
258
S
ALVA DE PÉ BAIXO
,
transição Gótico final/Renascença,
prata dourada, decoração relevada
“Três homens silvestres, animais (dois leões, cão e javali)
e animais fantásticos (unicórnio e dois grifos)”,
marca de ensaiador do Porto,
marcas de ourives e/ou de juizes do ofício da prata,
marca de posse DLB,
portuguesa, séc. XVI (início), redourada
Nota:
vd. ALMEIDA, Fernando Moitinho de - “Marcas de Pratas Portuguesas
e Brasileiras (Século XV a 1887)”, IN-CM, 1995, P3, P110 e P206,
sendo possível deduzir que analisou e inventariou a presente salva.
A low foot ostentation Salver,
transition late Gothic / Renaissance,
gilt silver, relief decoration “Three sylvan men, animals (two lions,
dog and boar) and fantastic animals (unicorn and two griffins)”,
Oporto assay mark, makers or assayers marks,
DLB ownership mark, Portuguese, early 16th C., gilt redone
Dim. - 3 x 23 cm; Peso - 342 grs. € 180.000 - 270.000
“O aparecimento à luz do dia desta salva, que cremos inédita,
revela-se de grande interesse para a história da ourivesaria nacional.
Trata-se de um exemplo claro da excelência da ourivesaria portuguesa
de aparato dos séculos XV e XVI, tema por mim recentemente abordado
- “Ourivesaria Portuguesa de Aparato - séc. XV e XVI”, Scribe, Lisboa, 2012 -,
que nos permite, além disso, um melhor conhecimento do modo de trabalhar
de uma oficina nos alvores do século XVI.
De facto, possui o Metropolitan Museum of Art, em Nova Iorque,
uma salva muito semelhante, que sugere uma mesma oficina. Hipótese que
nos é reforçada pelo facto de apresentar três marcas: a da Cidade do Porto,
para além de duas de ourives. Como era prática habitual na época,
uma corresponde à do ourives que então servia como Juiz do Ofício
e a outra à do mestre que a terá executado. A marca da cidade do Porto
é idêntica nas duas salvas, assim como uma das marcas de ourives
(Moitinho de Almeida, P-3 e P-110).
Infelizmente não podemos atestar qual delas era utilizada pelo ourives-Juiz
do Ofício ou pelo ourives-lavrante da salva. Mas dadas as afinidades
estilísticas e técnicas entre as duas obras estaremos provavelmente
perante uma única oficina. A marca que não é comum em ambas sugere-nos
tratar-se da utilizada pelo Juiz do Ofício. Porventura foram marcadas
em períodos diferentes o que justifica diferentes Juízes do Ofício
e as pequenas diferenças entre ambas as peças.
Sendo muito semelhantes, seja na composição, seja na execução,
existem contudo algumas diferenças a nível dos motivos ornamentais,
nomeadamente em algumas folhagens, nos animais e nas figuras dos
“Homens selvagens”, que não são idênticos. A prática contínua de lavrar peças,
num reportório ornamental muito semelhante, por si só, conferia uma unidade
à produção de determinada oficina, sem contudo cada obra deixar de possuir
uma identidade própria. Em nada estamos perante uma produção em série,
como hoje a conhecemos.
Nesta salva, com figuras e ricas folhagens, a composição assenta na
distribuição ritmada das figuras pela orla, sendo a restante superfície coberta
com entrelaçados de folhagens que circundam o florão central,
criando um efeito de unidade muito apelativo.
De notar que o uso de gravuras não era desconhecido dos mestres ourives
desta oficina. É bem patente nesta salva a influência da obra do ourives
e gravador alemão Israhel van Meckenem, sobretudo nas suas composições
florais e de “Homens selvagens” muito divulgadas em gravuras da época,
até mesmo em cartas de jogar. No florão central da salva é evidente
a aproximação com as flores gravadas de van Meckenem. E a qualidade
e a beleza do contorno do desenho do motivo central é tão importante como
a obtenção de volumes e cinzelados. As gravuras foram certamente motivo
de inspiração ainda para as figuras de animais e dos “Homens selvagens”.
É bom exemplo a figura do “Homem-selvagem” virado de costas, postura algo
difícil de sugerir, pelo que certamente foi inicialmente baseada numa fonte
gravada; copiado o motivo da gravura uma primeira vez, em breve se tornaria
um tema recorrente na decoração das salvas. Comprovando-se a nossa sugestão
de estarmos perante a produção de numa única oficina, na presente salva como
na de Nova Iorque, atesta-se sempre o trabalho de grande qualidade e procura
de forte efeito decorativo partindo sobretudo da cuidada composição
e acertada execução no metal precioso.”
Nuno Vassalo e Silva, Novembro de 2012